top of page
Sofia_IMG_6477.jpg

BAÍA DE GUANABARA | GUANABARA BAY

Foto: Sofia Mussolin

BAÍA DE GUANABARA | GUANABARA BAY

Em tempo de emergências, sonhar, e fazer sonhar, é, certamente, a ação mais política que podemos ter.

Frente a um projeto político moderno de controle e insensibilização dos corpos que lhes tolhe de sua potência de agir, Territórios Sensíveis|Baía de Guanabara busca nos desdobramentos éticos, estéticos e políticos da prática laboratorial de pesquisa e criação em artes uma força propulsora para o tecer da imaginação e de um empoderamento social e político, individual e coletivo, de comunidades, artistas e cientistas. Nossas ações tornam-se assim um convite ao pensar, sentir, imaginar e sonhar, inscrevendo-nos em nossa própria temporalidade, mas também para além dela. São estímulos à investigação e composição de formas possíveis de habitar e de fazer mundo, de pertencer e de agir para a construção de um mundo mais justo social e ambientalmente; um modo de ir ao encontro do outro, de re-sensibilizar nossos corpos, ativando-os, lançando-os ao deslocamento, à suspensão, à porosidade. Provocando, por um lado, encontros e trocas em busca de novas possibilidades de relação, de coexistência e de cocriação entre nós, humanos, e os territórios que habitamos e entre humanos e não-humanos; por outro, é, também, um exercício de invenção de outras formas ético-políticas de fazer arte, propondo participação, colaboração e engajamento ao instaurar processos de criação que se dão em acontecimento, num continuum.

 Baía de Guanabara tornou-se uma ação artivista ao repensar o potencial político da arte em sua relação com o social e o ambiental, em especial por suas capacidades de fazer sonhar e de agir na construção de outros mundos [sim] possíveis.

In times of emergency, to dream, and promote dreaming, is surely the most politically charged act we can do.

Faced with the modern political project of controlling and numbing the bodies, which deprives them of their power to act Sensitive Territories | Guanabara Bay seeks ethical, aesthetic, and political unfoldings through the laboratory practice of research and creation in arts as a driving force in the weaving of imagination to social, political, individual, and collective empowerment of communities, artists, and scientists. Our actions become an invitation to think, feel, imagine, and dream, inscribing ourselves within our own temporality, as much as beyond it. They are stimuli to investigate and compose possible ways of inhabiting and making the world, of belonging and acting for the construction of a world more socially and environmentally fair. A mode of meeting the other, of re-sensitizing our bodies, activating them, launching them to displacement, to suspension, to porosity. 

On one side, by provoking encounters and exchanges in search of new possibilities of relating, of coexistence, and of co-creation between us humans and the territories we inhabit, and between humans and non-humans. On the other side, it is also an exercise of the invention of other ethico-politically engaged ways of making art, of proposing participation, collaboration, and engagement through creation processes that take place as events in a continuum. 

Guanabara Bay has become an artivist action by rethinking the political potential of art in its connections with the social and the environmental, especially for its ability to foster dreams and to act in the construction of other [yes] possible worlds.

Foto: Walmeri Ribeiro

Foto: Sofia Mussolin

Enquanto um projeto de longa duração, Baía de Guanabara investiga o impacto das mudanças climáticas nos modos de vida contemporâneos, especialmente nas comunidades tradicionais, caiçaras e quilombolas que vivem às margens da Baía de Guanabara. A pesquisa, iniciada em 2016, ano de realização dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro, tinha a poluição das águas e o lixo flutuante como eixo central das ações. No entanto, em 2019, ao receber o prêmio “Cultural and Artistic Response to Environmental Change” do Prince Claus Fund e Goethe Institut, realizamos um mergulho profundo nas águas da Guanabara, nos deparando com um projeto petropolítico de destruição em curso que nos lançou ao desafio de atuar em uma “zona de sacrifício” (Klein, 2015). Diante deste desafio, iniciamos nossas ações e instalamos nossos Laboratórios de Pesquisa e Criação.

As a long-duration project, Guanabara Bay investigates the impact of climate change on contemporary livelihoods, especially in traditional communities, caiçaras, and quilombolas that live on the shores of Guanabara Bay. The research, initiated in 2016, the year of the Olympic Games in Rio de Janeiro city, targeted water pollution and floating trash as the central axis of the efforts. However, after receiving the Cultural and Artistic Response to Environmental Change award from the Prince Claus Fund and Goethe Institut in 2019, we conducted a deep dive into the Guanabara waters, coming across the ongoing destruction of a petropolitical project that threw us to the challenge of operating inside a "sacrifice zone" (Klein, 2015). Faced with this challenge, we initiated our actions and set up our Research and Creation Labs.

Como um projeto transdisciplinar que reúne artistas, cientistas, ambientalistas, ativistas e as comunidades locais, nossos laboratórios consistem em ações de pesquisa e criação balizadas por práticas performativas, imersivas e colaborativas, fundamentadas em conceitos como emergência, processualidade e experiência. São compostos por residências artísticas, oficinas, processos de investigação e criação, intervenções urbanas, performances, discussões e compartilhamentos. Ancorados em uma metodologia performativa (Performance as Research -PaR. Arlander, 2017; Hunter, 2009), estes laboratórios visam produzir uma forma de conhecimento corporificado e situado. Além disso, tornam-se uma estrutura para o estudo, aprimoramento e desenvolvimento de novos conceitos e metodologias, configurando-se assim como uma dobra.

Through a transdisciplinary project that brings together artists, scientists, environmentalists, activists, and local communities, our laboratories are research and creation actions guided by performative, immersive, and collaborative practices grounded in concepts such as emergence, processuality, and experience. Structured as artistic residencies, workshops, investigative and creative processes, urban interventions, performances, discussions, and sharing. Anchored in a performative methodology (Performance as Research – PaR, see Arlander, 2017; Hunter, 2009), the labs aim to produce kinds of embodied and situated knowledge. Moreover, they become a structure for the study, enhancement, and development of new concepts and methodologies, thereby configuring themselves as a fold.

Fotos: Alessandro Paiva e Sofia Mussolin

Em Baía de Guanabara realizamos quatro laboratórios ao longo dos anos de 2019 e 2020, com duração de 5 a 10 dias cada, que contaram com a participação de um grupo de 12 artistas e 10 colaboradores, moradores de duas comunidades: Colônia Z-10 – Ilha do Governador e Ilha de Paquetá. Nos três primeiros laboratórios, convivemos com e nos territórios insulares. No quarto laboratório, convivemos, durante 5 dias, artistas e colaboradores, em uma galeria de artes, localizada na região sul da cidade do Rio de Janeiro. Finalizamos esta etapa do projeto com uma exposição e um seminário abertos ao público.

Ainda em 2020, como parte de um novo mapeamento performativo, realizamos uma imersão na área de manguezal da Área de Proteção Ambiental de Guapimirim (APA de Guapimirim - ICMBio), localizada na região nordeste da baía, o conhecido recôncavo da Guanabara.

Com nossas atividades interrompidas pela pandemia ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2 – COVID 19, retomamos nossos laboratórios em 2021 e seguimos trabalhando junto às comunidades com novos projetos.

In Guanabara Bay, we conducted four laboratories from 2019 to 2020, each lasting from 5 to 10 days, involving a group of 12 artists and ten collaborators from two communities: Colônia Z-10 at Governador Island and Paquetá Island. During the three first labs, we lived with and in the insular territories. At the fourth laboratory, we artists and collaborators coexisted for five days inside an art gallery located in the South region of Rio de Janeiro city. We closed this stage of the project with an exhibition and seminar open to the public.

Still in 2020, as part of a new performative mapping, we conducted an immersive work at the mangrove area of the Guapimirim Environmental Protection Area (APA de Guapimirim - ICMBio) located in the northeastern portion of the bay, the well-known Guanabara recess.

With our activities interrupted by the COVID-19 pandemic, we resumed our labs in 2021 and continued the work with the communities with new projects.

Laboratório 1 - Mapeamento Performativo – Maio, 2019

 

Com o objetivo de realizar um mapeamento performativo, ou seja, um mapeamento realizado com nossos corpos em movimento imbricados em um território específico, habitamos durante dez dias diferentes pontos da Baía de Guanabara. Nesta primeira etapa do projeto, tecemos diálogos com as comunidades locais, com autores e artistas e, sobretudo, vimos emergir questões nunca antes imaginadas por nós.

Percorrer a Baía de Guanabara em toda a sua extensão, num barco, com pescadores locais, nos apresentou a dimensão das questões que, literalmente, estão no nível mais profundo dessas águas. Ao habitar algumas partes que a compõem – Ilha de Paquetá, Colônia Z-10, Ilha do Governador, Praias de Niterói, Mangue de Guapimirim – experienciamos a força das águas, aterramentos, assoreamento, poluição, descaso, desesperança, mas também o vigor e o cuidado das comunidades locais, os sonhos, a esperança e muita vida: tartarugas, peixes, botos e pescadores. Vidas e histórias de pessoas, fauna e flora marinha que persistem e resistem, habitando e cuidando deste território.

Símbolo Nacional e patrimônio da humanidade | ONU 2012, na Baía de Guanabara são despejados 18 mil litros de esgoto doméstico não tratados por segundo, 90 toneladas diárias de lixo flutuante, um número não contabilizado de litros de esgoto químico lançado pelas indústrias e os, também não contabilizados, litros de petróleo e óleo derramados diariamente pela atividade petrolífera. Dutos de petróleo, grandes companhias petroleiras, plataformas, Ilhas que abrigam as bases petrolíferas e embarcações petroleiras, compõem esta paisagem Petropolítica.

Lab 1 - Performative Mapping - May, 2019

With the aim of conducting a performative mapping, that is, a mapping made through our moving bodies imbricated in a specific territory, we inhabited different locations in Guanabara Bay for ten days. At this first stage of the project, we weave dialogues with local communities, authors, and artists and, above all, we saw the emergence of issues we had never imagined before.

Going through Guanabara Bay in all its extensions, on a boat, with local fishermen presented us with the dimensions of the problems that rely literally on the depths of these waters. By inhabiting some of its areas - Paquetá Island, Colônia Z-10 in Governador Island, Niterói Beaches, Guapimirim Mangrove - we experienced the power of the waters, landfills, silting, pollution, negligence, hopelessness, as well as the strength and caring of local communities, their dreams, hopes, and lots of life: turtles, fishes, porpoises, and fishermen. Lives and stories of people, marine fauna, and flora who persist and resist, inhabiting and caring for this territory.

A National symbol and World Heritage Site | UN 2012, Guanabara Bay receives 18 thousand liters of untreated domestic sewage per second, 90 tons of floating waste daily, an unaccounted amount of liters of chemical sewage released by industries, and the also-unaccounted liters of petroleum and oil spilled daily by the petroleum business activities. Oil pipelines, major oil companies, platforms, islands sheltering petroleum bases, and tanker ships converted for extraction take up this Petropolitical landscape.

IMG_6396.jpg
DSC03421.jpg
Cópia de _DSC0073.jpg
DSC03415.jpg

Foto: Sofia Mussolin, Walmeri Ribeiro e Alessandro Paiva

A partir deste mapeamento, desenhamos e planejamos nossas ações que se dividiram em: residências artísticas, oficinas, performances, intervenções e ações site specific, exposições, desenvolvimento de obras artísticas, publicações e seminários.

From this mapping, we designed and planned our actions that branched into artistic residencies, workshops, performances, site-specific interventions and actions, exhibitions, development of artistic works, publications, and seminars.

IMG_0019.jpg
_DSC0142.JPG
IMG_0028.jpg

A Baía de Guanabara está no meu horizonte diário. Olhar sobre ela mistura um sentimento de distanciamento a um pertencimento. Não me lembro de ter mergulhado em suas águas, não há esse desejo e nunca houve, talvez pela noção de que o uso daquelas águas não fosse nobre. O que me chama atenção é sua presença ao fundo de todo o caminho de quem transita em seu entorno, seja em Paquetá, na Colônia Z-10, em Niterói ou na cidade do Rio de Janeiro. Não há como desconsiderar a agonia de suas águas escuras de um futuro duvidoso. Percebemos em cada desembarque em suas praias uma história, suas ilhas com passados gloriosos. A paisagem da baía causa impacto de todos os ângulos possíveis, seja pela beleza exuberante de uma baía que é quase mar, ou pela visibilidade do descaso cruel à natureza viva que ali ainda resiste à exploração humana. Nesse turbilhão de ideias e puro arrebatamento, nos inserimos nessa paisagem, somos parte dessa natureza e há urgência em tomarmos consciência dessa conexão.

Patrícia Freire (artista Convidada)

 

Guanabara Bay is on my daily horizon. Looking over it combines a feeling of distancing with a sense of belonging. I don't remember diving in its waters there is no such desire and never was, perhaps due to the perception that the use of those waters wasn't noble. What draws my attention is its presence in the background of every route taken by those who circulate over its surroundings, whether in Paquetá, in Colônia Z-10, in Niterói, or in the city of Rio. There is no way to overlook the agony of its dark waters, of doubtful futures. At every landing on its beaches, we perceive a story, its islands full of glorious pasts. The scenery of the bay impacts from every possible angle, either by the exuberant beauty of the bay that is almost a sea or by the portrayal of the cruel negligence to the living nature that still resists there, despite human exploration. In this turbulence of ideas and pure astonishment, we insert ourselves into this landscape, we are part of this nature, and there is urgency in becoming aware of this connection.

Patrícia Freire (guest artist)

Por ser carioca, nascida e criada no Rio de Janeiro, a Baía de Guanabara sempre habitou meu imaginário, desde palco das invasões europeias até tornar-se cartão postal da Zona Sul carioca. Contudo, minha relação é distanciada, de modo geral a vejo quando estou a bordo de um dos inúmeros aviões que a atravessam diariamente – de cima aprecio sua beleza decadente, sua grandeza monumental, de cima vejo as marcas do ´progresso´, as manchas de óleo dos navios que trazem contêineres do mundo todo, a imponente Ponte Rio-Niterói, o bondinho que sobe e desce diariamente abarrotado de gringos deslumbrados com o exotismo brasileiro. Portanto, a conhecia de cima e do ´meu lado da Baía’.  Realizar um mapeamento performativo neste território transformou meu imaginário, desde o primeiro dia de residência quando vimos tartarugas nadando naquela água turva e fétida. Fiquei atônita, me surpreendi que pudesse existir vida ali, demorei a processar que aquelas cabecinhas que emergiam no espelho d´água não eram garrafas PET. 

Patrícia Teles (artista convidada)

Being a Carioca, born and raised in Rio de Janeiro, Guanabara Bay has always inhabited my imagination, from the stage of European invasions to becoming the postcard of Rio's South Zone. However, my relationship is distant, I usually see it when on board of one of the countless airplanes crossing around daily - from above, I appreciate its "decaying beauty," its monumental grandeur, from above I see the marks of "progress," the oil from ships that carry containers from all over the world, the imposing Rio-Niterói Bridge, the cable car that goes up and down daily crowded with gringos dazzled by Brazilian exoticism. I knew it from above and from "my side of the Bay" only, my imagination was transformed by Professor Walmeri's invitation from the first day of residence when we saw turtles swimming in that muddy fetid water. I was astonished and surprised that there could be life there, it took me a long time to process that the little ones that emerged from the water mirror were not PET bottles.

Patrícia Teles (guest artist)

 

Certos cientistas, assim como alguns artistas, têm afirmado nos últimos anos, que a água pode possuir memória, que a água se lembra. O tanto que as águas da Baía de Guanabara possuem de memória uma mente humana não poderia comportar. Fazer uma breve residência nesse território envolveu o esforço de lidar com a impossibilidade de alcançar essa memória passada e especular em torno das memórias que estamos produzindo para essas águas hoje. Banhando mais de uma centena de ilhas, essas águas já sabem quais delas fará desaparecer no futuro próximo, devido as mudanças climáticas? Sabem por quanto tempo se manterá como um “cinturão explosivo”, repleta de dutos e tanques de armazenamento de combustível? Por quantos anos conviverá com os fósseis de nossa petropolítica?

          Ruy Cesar Campos (artista convidado)

 

Some scientists, as well as some artists, have claimed in recent years that water can hold memory, that water remembers. The extent of the memories that the waters of Guanabara Bay can hold is beyond the scope of the human mind. Participating in a brief artist residency in this territory involved the effort of addressing the impossibility of grasping this past memory and speculating around the memories we are producing for these waters today. Bathed by more than a hundred islands, do these waters know which of them will disappear in the near future due to climate change? Do they know how long they will remain as an "explosive belt," replete with pipelines and fuel storage tanks? For how many years will it coexist with the fossils of our petropolitics?

          Ruy Cesar Campos (guest artist)

Laboratório 2 – Colônia Z-10 – Ilha do Governador | RJ – Outubro, 2019

Lab 2 – Colônia Z-10 in Governador Island | RJ - October, 2019

DSC00369.jpg
Cópia de Imagem 4 – Luiz Antônio – Pãozinho .jpeg
IMG_4360.jpg
Cópia de 58.jpg

Foto: Sofia Mussolin, Walmeri Ribeiro e Alessandro Paiva

Às margens do Rio Jequiá, num encontro entre o mangue do Jequiá e a Baía de Guanabara, está localizada a primeira colônia de pescadores com registro do Brasil, a Colônia Z-10, fundada em 17 de novembro de 1920. Com terras cedidas pela Marinha do Brasil às famílias de pescadores, ao longo dos anos a comunidade sofreu um processo de favelização e hoje conta com mais de 5 mil moradores, dos quais apenas cerca de 400 sobrevivem da pesca. 

Somado às questões recorrentes nos processos de favelização – construções desordenadas, falta de infraestrutura sanitária e urbana, abandono do poder público –, a centenária Colônia Z-10, encontra-se completamente sufocada e exposta à poluição das águas do rio Jequiá e da Baía de Guanabara. A área de manguezal, ou o que restou dela, sofre o despejo de esgoto in natura lançado pelas casas da comunidade, além de receber diariamente toneladas de lixo sólido e todo o impacto dos constantes derramamentos de petróleo e seus derivados nas águas da Guanabara. 

O cheiro forte que vem do mangue, presente na vida cotidiana desta comunidade, assim como a poluição e seu impacto na saúde de cada um dos moradores, tornam-se imperceptíveis diante de corpos asfixiados pela necropolítica (Mbembe: 2020).

Mas a colônia resiste! E, num ato de resiliência, jovens pescadores, jovens moradores, crianças e moradores de diferentes idades se somaram às nossas ações. 

Durante os 10 dias de desenvolvimento das atividades do Laboratório Territórios Sensíveis, tivemos como colaboradores os jovens pescadores Tiago Caiçara, Luiz Antônio Franco (Pãozinho), Gabrielly Travasso, Giovani Armane e João Victor Abreu. Contamos ainda com o apoio de toda a colônia, sobretudo, dos pescadores mais antigos ainda na ativa, o Sr. Geraldo e o Sr. Pedro. Participaram, como artistas residentes, Ruy Cezar Campos, Patrícia Freire, Mari Moura, Sofia Mussolin, Marcela Cavalini, Alessandro Paiva e Walmeri Ribeiro.

Foram dias de trocas de conhecimento, aprendizados múltiplos, conversas, experiências, imersões, experimentações e muitas ações no exercício de pensarmos juntos como sobreviver nas ruínas do Antropoceno. Dias de muita resiliência, imaginação e sonhos compartilhados!

Located on the banks of the Jequiá River, at the meeting point between the Jequiá mangrove vegetation and the Guanabara Bay, is the first registered fishing colony in Brazil, Colônia Z-10, founded on November 17, 1920. Having its lands ceded by the Brazilian Navy to the fishermen's families, the community has undergone a process of slumification over the years and, today, has more than 5 thousand residents, of whom only about 400 live off fishing.

In addition to the typical problems of slumification processes - disorderly construction, lack of sanitary and urban infrastructure, state abandonment - the centenary Colônia Z-10 is completely suffocated and exposed to Jequiá River and Guanabara Bay water pollution. The mangrove area, or what is left of it, suffers from the discharge of raw sewage from the community houses added to a daily intake of tons of solid waste as much as the impact of constant spills of petroleum and its by-products in Guanabara Bay's waters.

The intense smell coming from the mangrove, present in the daily routine of this community, as well as the impact of pollution on the health of the locals, become unnoticeable to these bodies asphyxiated by necropolitics (Mbembe: 2020).

But the colony resists! As an act of resilience, young fishermen, younger villagers, children, and local inhabitants of different ages joined our actions.

Along the ten days of Sensitive Territories Lab activities, we counted on the collaboration of the young fishermen Tiago Caiçara, Luiz Antônio Franco (Pãozinho), Gabrielly Travasso, Giovani Armane, and João Victor Abreu. We also counted on the support of the entire community, especially the oldest fishermen still active, Mr. Geraldo and Mr. Pedro. Participating as resident artists were Ruy Cezar Campos, Patrícia Freire, Mari Moura, Sofia Mussolin, Marcela Cavalini, Alessandro Paiva, and Walmeri Ribeiro.

Those were days of knowledge sharing, multiple learnings, conversations, experiences, immersions, experimentations, and many acts in the exercise of thinking together about how to survive in the ruins of the Anthropocene. Days of much resilience, imagination, and shared dreams!

“O que podemos aprender com o Mangue para (sobre)viver na/às ruínas do Antropoceno?” 

Walmeri Ribeiro

“What can we learn from the Mangrove to live (not just survive) in/from ruins of the Anthropocene?"

Walmeri Ribeiro

Image 1_ Action with the children - photos by Alessandro Paiva.jpg
Image 1_ Action with the children - photos by Alessandro Paiva-3.jpg
Image 1_ Action with the children - photos by Alessandro Paiva-2.jpg

Foto: Alessandro Paiva

Link: https://takemetotheriver.net/motion-to-recover/colonia-z-10-residency

O não conhecimento de parte dos moradores da colônia – sobretudo dos que não sobrevivem da pesca –, sobre a existência e importância do sistema manguezal para o equilíbrio ambiental, me instigou a propor uma Experiência Mangue. Afinal, o que podemos aprender com o Mangue para (sobre)viver na e às ruínas do Antropoceno? 

Num primeiro momento, realizei uma ação com as crianças da colônia, convidando-as para uma experiência no mangue. Respirar, meditar, sentir, escutar, sonhar. Como podemos respirar com o mangue? O que ele nos traz? Da meditação ativa e da experiência sensorial emergiram surpresas, sonhos e aprendizados transformados em desenhos e frases. A descoberta do mangue como parte de um corpo casa. A descoberta do movimento do manguezal, dos sons e da intensidade dessas raízes voadoras.

Num segundo momento, convidei os moradores que vivem nas casas à beira do mangue, os colaboradores e os artistas do projeto, a participarem de uma ação performática junto ao mangue e aos muros/fronteiras que o sufocam.

O simples gesto de manter-se em pé, respirar com os olhos fixos num ponto do manguezal. Permanecer. Virar à direita. Manter a respiração e o ritmo desta. Olhar num ponto fixo do muro. Permanecer. Virar à esquerda. Olhar novamente para o manguezal.

Desta experiência performativa desdobra-se não apenas o gesto político de respirar, mas também um aprendizado que pode nos levar a repensar os nossos pequenos gestos e hábitos, rompendo com nossos modos de viver e habitar o mundo, gerando mudanças, ainda que pequenas, e a certeza de que precisamos nos fazer mangue, com toda a força, flexibilidade, porosidade e capacidade de criação e reinvenção de vidas.

Do simples estar, sentir, olhar, cheirar, respirar juntos, é que pode emergir o que chamamos de Experiência, levando nossos corpos-humanos à suspensão e à coexistência com corpos-não-humanos. Este corpo-processo, situado em um determinado território, é capaz de nos apontar questões, atravessamentos e conhecimento corporificado. Uma experiência de extraterritorialidade.

The unawareness among some of the colony's residents - especially those who don't live on fishing - about the existence and value of the mangrove system for environmental stability compelled me to propose a Mangrove Experience. After all, what can we learn from the mangrove to live in and from ruins of the Anthropocene?

At first, I realized an action with local children, inviting them to an experience in the mangrove. To breathe, meditate, feel, listen, and dream. How can we breathe with the mangrove? What does it offer us? From the active meditation and sensorial experience, we saw the emergence of surprises, dreams, and learnings transformed into drawings and phrases. The discovery of the mangrove as part of a body home. The discovery of the mangroves' movement, the sounds, and the intensity of these flying roots.

In a second moment, I invited the people who live in the houses bordering the mangrove, the project's collaborators, and the resident artists to participate in a performative action next to the mangrove and the walls/borders that suffocate it.

The simple gesture of standing upright, breathing with your eyes fixed on one spot of the mangrove. Staying. Turning right. Maintaining your breathing and its rhythm. Looking at a fixed spot on the wall. Staying. Turning left. Looking again at the mangrove.

The simple gesture of standing upright, breathing with your eyes fixed on one spot of the mangrove. Staying. Turning right. Maintaining your breathing and its rhythm. Looking at a fixed spot on the wall. Staying. Turning left. Looking again at the mangrove.

From this performative experience, we unfolded not only breathing as a political gesture but also a learning process capable of impelling us to rethink our small gestures and habits. Breaking with our ways of living and inhabiting the world, leading to changes, however small, and the conviction that we need to become mangroves, with all their strength, flexibility, porosity, and capability to create and reinvent lives.

It's from simply being, feeling, looking, smelling, and breathing together that what we call Experience can emerge, taking our human-bodies to suspension and coexistence with non-human-bodies. This process-body, situated in a specific territory, is capable of pointing out to us matters, intersections, and embodied knowledge. An extraterritoriality  experience.

IMG_4449.jpg
IMG_4447.jpg

                                                                                              https://vimeo.com/581214045

O não conhecimento de parte dos moradores da colônia – sobretudo dos que não sobrevivem da pesca –, sobre a existência e importância do sistema manguezal para o equilíbrio ambiental, me instigou a propor uma Experiência Mangue. Afinal, o que podemos aprender com o Mangue para (sobre)viver na e às ruínas do Antropoceno? 

Num primeiro momento, realizei uma ação com as crianças da colônia, convidando-as para uma experiência no mangue. Respirar, meditar, sentir, escutar, sonhar. Como podemos respirar com o mangue? O que ele nos traz? Da meditação ativa e da experiência sensorial emergiram surpresas, sonhos e aprendizados transformados em desenhos e frases. A descoberta do mangue como parte de um corpo casa. A descoberta do movimento do manguezal, dos sons e da intensidade dessas raízes voadoras.

Num segundo momento, convidei os moradores que vivem nas casas à beira do mangue, os colaboradores e os artistas do projeto, a participarem de uma ação performática junto ao mangue e aos muros/fronteiras que o sufocam.

O simples gesto de manter-se em pé, respirar com os olhos fixos num ponto do manguezal. Permanecer. Virar à direita. Manter a respiração e o ritmo desta. Olhar num ponto fixo do muro. Permanecer. Virar à esquerda. Olhar novamente para o manguezal.

Desta experiência performativa desdobra-se não apenas o gesto político de respirar, mas também um aprendizado que pode nos levar a repensar os nossos pequenos gestos e hábitos, rompendo com nossos modos de viver e habitar o mundo, gerando mudanças, ainda que pequenas, e a certeza de que precisamos nos fazer mangue, com toda a força, flexibilidade, porosidade e capacidade de criação e reinvenção de vidas.

Do simples estar, sentir, olhar, cheirar, respirar juntos, é que pode emergir o que chamamos de Experiência, levando nossos corpos-humanos à suspensão e à coexistência com corpos-não-humanos. Este corpo-processo, situado em um determinado território, é capaz de nos apontar questões, atravessamentos e conhecimento corporificado. Uma experiência de extraterritorialidade.

The unawareness among some of the colony's residents - especially those who don't live on fishing - about the existence and value of the mangrove system for environmental stability compelled me to propose a Mangrove Experience. After all, what can we learn from the mangrove to live in and from ruins of the Anthropocene?

At first, I realized an action with local children, inviting them to an experience in the mangrove. To breathe, meditate, feel, listen, and dream. How can we breathe with the mangrove? What does it offer us? From the active meditation and sensorial experience, we saw the emergence of surprises, dreams, and learnings transformed into drawings and phrases. The discovery of the mangrove as part of a body home. The discovery of the mangroves' movement, the sounds, and the intensity of these flying roots.

In a second moment, I invited the people who live in the houses bordering the mangrove, the project's collaborators, and the resident artists to participate in a performative action next to the mangrove and the walls/borders that suffocate it.

The simple gesture of standing upright, breathing with your eyes fixed on one spot of the mangrove. Staying. Turning right. Maintaining your breathing and its rhythm. Looking at a fixed spot on the wall. Staying. Turning left. Looking again at the mangrove.

The simple gesture of standing upright, breathing with your eyes fixed on one spot of the mangrove. Staying. Turning right. Maintaining your breathing and its rhythm. Looking at a fixed spot on the wall. Staying. Turning left. Looking again at the mangrove.

From this performative experience, we unfolded not only breathing as a political gesture but also a learning process capable of impelling us to rethink our small gestures and habits. Breaking with our ways of living and inhabiting the world, leading to changes, however small, and the conviction that we need to become mangroves, with all their strength, flexibility, porosity, and capability to create and reinvent lives.

It's from simply being, feeling, looking, smelling, and breathing together that what we call Experience can emerge, taking our human-bodies to suspension and coexistence with non-human-bodies. This process-body, situated in a specific territory, is capable of pointing out to us matters, intersections, and embodied knowledge. An extraterritoriality  experience.

Duto

Ruy Cezar Campos

Duct

Ruy Cezar Campos

43.JPG
26.jpg
42.JPG

Foto: Alessandro Paiva e Ruy Cezar Campos

Em uma das nossas visitas à colônia, encontramos um duto preto de cinco a seis metros de comprimento entre as raízes do manguezal, este se tornou a base da minha proposição. Um de nossos colaboradores, Tiago Caiçara, explicou que ele havia flutuado através da Baía de Guanabara, passando pelo refluxo da maré diretamente para a foz do rio Jequiá, onde danificou algumas pequenas embarcações. Caiçara conseguiu que os outros pescadores o ajudassem a arrastá-lo para fora do rio e a colocá-lo no chão, próximo às raízes do mangue. Ele usou uma pequena parte do duto para fazer canteiros na praça principal da vila. A peça do duto que sobrou tornou-se uma videoinstalação que reúne os sons do manguezal, com uma colagem de diferentes imagens e momentos do envolvimento perceptivo com a memória do vilarejo.

Durante nosso laboratório, Luiz Antônio (L.A.), um dos poucos pescadores mais jovens e respeitado pelos idosos, participou de uma caminhada performática e de um momento de gravação sonora através do mangue para formulação das perguntas a serem feitas quando entrevistamos os pescadores mais tradicionais, Sr. Geraldo (G) e Sr. Zuca (Z). Ao fazer isso, evocamos, provocamos e unimos histórias e memórias intergeracionais dispersas deste lugar, ao lembrar da época em que foi inundado pelo derramamento de petróleo de um navio iraquiano, em 1975.

Eles também compartilharam conosco que, no ano 2000, uma ruptura de dutos causou um derramamento de petróleo dramático na baía. Um mês depois (após o término de nosso laboratório), devido a outro derramamento de petróleo, os pescadores foram à televisão exigir a atenção das autoridades para a saúde das águas da Guanabara.

When visiting the colony, we stumbled upon a black duct entangled in the mangrove's roots, measuring 5 to 6 meters long, which became the foundation of my proposition. One of our collaborators, Tiago Caiçara, explained us that it had floated across Guanabara Bay, passing through the tidal ebb directly to the estuary of Jequiá River, where it caused damage to some small boats. Caiçara got the other fishermen to help him drag it out of the water and lay it on the ground near the mangrove roots. He used a small part of the duct to build flowerbeds in the village's main square. The remaining portion became a video installation that brings the sounds of the mangrove together with a collage of different images and moments of perceptive engagement with the memory of the village.

Luiz Antônio, one of the few young fishermen whom the elders respect, participated in a performative walk and a sound recording session through the mangrove during the lab. That session was a way to formulate the questions to be made during interviews with the more traditional fishermen, Mr. Geraldo and Mr. Zuca. With this we evoked, provoked, and brought together scattered intergenerational stories and memories of this place as we remembered the time when it got swamped by an Iraqi ship's oil spill in 1975. They also shared with us that in 2000 a pipeline rupture caused a dramatic oil spill on the bay.

One month later (and after the end of our lab), triggered by another oil spill, the fishermen went on television to demand the authorities' attention to the health of the Guanabara waters.

Image 3_ Video stills of “Videoduct.” To visualize the making and exhibiting process_ .jpg

Feiticeira

Marcela Cavalini e Sofia Mussolin

Sorceress

Marcela Cavalini and Sofia Mussolin

IMG_7855.jpg
46.jpg
51.jpg

Foto: Sofia Mussolin, Marcela Cavallini e Alessandro Paiva

A ação Feiticeira, realizada em parceria entre as artistas Marcela Cavallini e Sofia Mussolin e moradores da Colônia Z-10, na Ilha do Governador – RJ, se iniciou com a convivência na residência artística do projeto Territórios Sensíveis. A proposta de habitar e aprender com o ambiente, investigar onde e como se processa a vida de seus moradores, nos trouxe duas maneiras de tateamento: em oficinas corporais ministradas por Marcela, e em caminhadas de registro audiovisual feitas por Sofia, acompanhada de Thiago. O momento relacional através da oficina corpo-ambiente (aberta ao público) e da escuta andarilha da experiência de ser pescador naquele território, foram guiados pela imagem e materialidade do se "fazer em rede". A Colônia Z-10 traz inúmeras coexistências, de um ambiente que proporciona, ao mesmo tempo, fonte de alimento e sustento e crescente poluição do mangue e das águas da Baía de Guanabara.

Através da imagem de uma serpente mítica e fruto dessa paisagem real, o nome Feiticeira veio tanto por se relacionar com um tipo de rede usada pelos pescadores da região (feita de 3 enredados, que tudo leva), quanto pelo poder místico feminino que suscita, e, ainda, para invocar o imagético como forma possível para alertar a realidade. Fomos inspirados por uma conversa com o Sr. Geraldo, pescador mais antigo da região, que nos trouxe o conceito dessa rede que pesca, sobretudo, "aqueles peixes nobres, como Robalo e Linguado, que possuem casa própria e vivem no fundo do mangue". Dessa forma, ativamos os corpos de diferentes maneiras, coletamos redes, trançamos garrafas recolhidas na comunidade e corporificamos esse signo da colônia, a fim de denunciar o estado de urgência em que estamos existindo.

Em performance, surgimos de barco, em meio ao mangue, junto a outros moradores. Todos enredados pela rede-escama, e, em seguida, saímos em caminhada-performance pela colônia entoando palavras de alerta à situação de degradação daquele ambiente.

The action Sorceress was carried out in partnership between artists Marcela Cavallini and Sofia Mussolin and the residents of Colônia Z-10 at Governador Island, departing from the coexistence during Sensitive Territories art residency. The proposal to inhabit and learn from the environment and to investigate where and how the lives of its residents unfold led us to two ways of groping: on corporal workshops conducted by Marcela and through walks for audiovisual registration conducted by Sofia, accompanied by Thiago. The image and materiality of "becoming in the net" guided the relational experience during the body-environment workshop (open to the public) and the wanderer's hearing of the stories of what being a fisherman in that territory means. Colônia Z-10 grounds countless coexistences as an ambient that provides a source of food and subsistence, at the same time, it adds its share to the increasing pollution of the mangrove and the waters of Guanabara.

The name Sorceress arose from its relation to a type of fishnet used by the fishermen of the region (made of three entangled nets that carry everything), as well as to summon the image of a mythical serpent that figures in this material landscape, for the mystical feminine power that it evokes, and to invoke the imagetic as a possible strategy to highlight the real situation. We were inspired by a conversation with Mr. Geraldo, the oldest fisherman in the region, who told us about this net for catching, above all, "those noble fish, like Robalo and Linguado that have their own houses and live at the bottom of the mangrove." We activated our bodies in different ways, collected nets, braided the plastic bottles collected in the community, and embodied this sign of the colony as a way to denounce the urgent condition we live in.

In performance, we emerged from a boat, in the middle of the mangrove, together with other residents. All entangled by the scale-net, we started a performance-walk across the colony, chanting warning words about the state of degradation of that environment.

IMG_8113.jpg

Memórias Ativistas

Alessandro Paiva 

Activist Memories

Alessandro Paiva 

Como me aproximar e propor, através da escrita e do design ativista, reflexões e ações coletivas sobre as questões ambientais que permeiam a vida cotidiana de pescadores e moradores da Colônia Z-10? O movimento, a mecânica e a corporeidade criada nos processos gráficos de escrita nos levaram à construção desse “como”, ativando memórias e nos mostrando os caminhos de nossa ação. Durante nosso laboratório imersivo na Colônia, me reuni com jovens moradores e a proposta de uma oficina gráfica foi se tornando apenas um meio de troca e de relação entre os corpos que vivem naquele território (sentindo diretamente as questões ali presentes) e meu corpo “estranho”, que ali chegava.

Ao longo de nossos encontros refletimos sobre o cotidiano da colônia e o descarte inadequado de lixo no Mangue. Através de uma prática proposta pelo design ativista, construímos uma espécie de gráfica humana, trabalhando juntos na elaboração e produção de cartazes, desde o processo mecânico: cortar a letra, encaixar, passar a tinta e colocar para secar; até a ação ativista de colá-los nos muros da colônia, ocupando o espaço público e ampliando nossas discussões.

Aos poucos, fomos edificando memórias coletivas acerca do mangue, e ocupando os locais de uso comum da colônia: o rancho de trabalho da pesca, a sede da colônia e os locais de lazer – todos conectados pelo lixo! Todos os lugares comuns na colônia receberam nossos lambes, que uma vez colados, apenas a ação do tempo, ou do homem, poderá retirá-los. Um paradoxo temporal, acerca de nossas próprias ações frente às suas implicações no mundo.

How to approach and propose, through writing and activist design, reflections and collective actions regarding the environmental problems that permeate the daily lives of fishermen and residents of Colônia Z-10? The movement, mechanics, and corporeality created in the graphic writing processes led us to construct this "how" by activating memories and guiding the course of our actions. After I met with young residents during our immersive lab at the colony, the proposal of a graphic workshop became a means of exchanging and relating between the bodies that live in that territory (experiencing firsthand the problems found there) and my "strange" body that was arriving there.

Throughout our meetings, we reflected on the colony's daily life and the inadequate waste disposal in the mangrove. Using the activist design practice, we built a sort of human graphic workshop, working together on the elaboration and production of posters, from the mechanical process: cutting the letters, fitting them together, applying paint, and placing them to dry; to the activist practice of gluing them on the walls around the community, thus occupying public spaces and spreading our debates.

Little by little, we were creating collective memories about the mangrove and occupying common-use places in the colony as the fishermen's ranch, the colony's headquarters, and the leisure spaces - all connected by garbage! All the common locations in the community received our posters that, once glued, only the action of time or humans would be able to remove them. A temporal paradox concerning our actions and their implications in the world.

39.jpeg

Paisagens Sonho

Patrícia Freire 

Dreamscapes

Patrícia Freire

Paisagens sonho é uma ação colaborativa de projeções de sonhos, criação de tintas orgânicas – com materiais coletados na Colônia Z-10 –, e pintura. Durante 5 dias, diariamente, eu e um grupo de jovens moradores da comunidade nos reuníamos na sede da associação de pescadores da colônia para uma oficina de pintura, juntos conversávamos sobre sonhos, paisagens, vida diária e futuro. Nossas conversas iam tomando, ou não, formas, tons e movimentos. Paisagens sonho foi uma proposta para que juntos pudéssemos imaginar o futuro, a partir de um exercício de ser e estar no presente, em plenitude.

Dreamscapes is a collaborative action involving the projection of dreams, the creation of organic paints - with materials collected at Colônia Z-10, and painting. For five days, a group of young residents of the community and I would gather at the headquarters of the colony's fishermen's association for a painting workshop, there, we talked about dreams, landscapes, daily life, and the future together. Our conversations would take, or not, shapes, tones, and movements. Dreamscapes was a proposal to imagine the future together, starting with an exercise of being in the present, in plenitude.

IMG_4394.jpg

Um Outro Lugar 

Mari Moura

AnOther Place

Mari Moura 

A ação performática Um Outro Lugar, idealizada pela artista Mari Moura, consistiu na criação do Ministério dos Territórios Sensíveis. Em tempos de um governo autoritário, da criação e do fechamento de vários ministérios no Brasil, Mari Moura, autointitulada Ministra dos Territórios Sensíveis, de seu gabinete em Brasília - DF, via live streaming no Instagram, conversou com moradores, frequentadores e transeuntes da Colônia Z-10 sobre o que eles imaginavam para a constituição de um outro lugar para viver. Com bloco de notas em mão, a Ministra anotou as pistas deixadas para a constituição deste “Outro Lugar” a ser criado. Utilizando a telemática como meio de cocriação, coexistência e ampliação dos diálogos, Um Outro Lugar busca alargar a noção de território, rompendo com as fronteiras geográficas e sensíveis. 

The performative action AnOther Place, conceived by artist Mari Moura, consisted in the Creation of the Ministry of Sensitive Territories. Living times of an authoritarian government with the creation and closing of several ministries in Brazil, the self-named Minister of Sensitive Territories, Mari Moura, talked to residents, regulars, and passersby of Colônia Z-10 via live streaming on Instagram from her office in Brasília - DF, about what they imagined for the constitution of another place to live. With a notepad in hand, the Minister wrote down the clues left for constructing this "Other Place" yet to be created. Using telematics as a means of co-creation, coexistence, and expansion of dialogues, AnOther Place seeks to broaden the notion of territory by breaking through geographical and sensitive boundaries. 

25.jpg

 Laboratório 3 - Ilha de Paquetá | RJ – Novembro, 2019

Lab 3 – Paquetá Island | RJ – November, 2019

83 (2).jpg
Wal_31.jpg

Foto: Alessandro Paiva

Localizada no meio da Baía de Guanabara, a bucólica e histórica ilha de Paquetá, como única ilha sem acesso terrestre habitada por pessoas residentes, mantém viva uma maneira específica de viver, chamada pelas pessoas que lá moram como um ser Ilhéu. 

Paquetá também tem uma história de pesca, mas a ilha é mais conhecida por seu apelido de "Ilha dos Amantes". No passado, era conhecida por suas praias paradisíacas, não apenas o Rei de Portugal costumava passar suas férias lá, mas também foi cenário da famosa novela "A Moreninha", filmada nos anos 1970. No entanto, hoje Paquetá tem problemas semelhantes aos da Colônia Z-10, que em resumo podem ser descritos como se movendo entre um passado distante e um futuro próximo, entre tradições locais e crise ambiental, e/ou entre a sobrevivência e a construção de novas formas de vida.

          As perguntas: O que é ser Ilhéu hoje em dia? Como é viver exatamente no meio de uma paisagem de destruição e poluição? Por que e como os Ilhéus mantêm vivo o sentimento de pertencimento?, moveram nossos encontros com os Ilhéus Alessandra Gomes (estudante e fotógrafa), Danyelle Mayor (bióloga), Emanuel Barbosa (ativista e músico), Januário e Francisco Campos (estudantes). O conviver e habitar esta Ilha nos levou a criar novas formas de nos conectarmos, sentirmos e percebermos os problemas, novos modos de engajamento, juntos, formando um só corpo com toda a sua complexidade, começamos a ouvir, sentir e nos sintonizar com este território sensível chamado Paquetá.

Deste laboratório participaram os artistas: Nathalie Fari, Guto Nóbrega, Cesar Baio, Paola Barreto, Sofia Mussolin, Marcela Cavalini, Daniel Puig, Mari Moura, Patrícia Freire e Walmeri Ribeiro. Contamos ainda com a participação da artista Gabriela Bandeira (projeto aGradim) e da filósofa e pesquisadora sobre questões do Antropoceno, Alyne Costa.

Located in the middle of Guanabara Bay, the bucolic and historic Paquetá Island, as the only populated island with no land access, keeps alive a specific way of life called by the people who live there as Ilhéu-being.

Paquetá also has a fishing history, but the island is better known for its nickname, "Lovers' Island." In the past, it was known for its paradisiacal beaches, it is known that the King of Portugal used to spend his vacations there, and it has also been the setting of a famous soap opera, A Moreninha, screened in the 1970s. However, today Paquetá has problems similar to those of Colônia Z-10, which can be shortly described as moving between a distant past and a near future, between local traditions and environmental crisis, and/or between the survival and the construction of new ways of living.

What is it to be an Ilhéu today? What is it like to live right in the middle of a destroyed and polluted landscape? Why and how do the Ilhéus keep alive their sense of belonging? These questions moved our encounters with Ilhéus Alessandra Gomes (student and photographer), Danyelle Mayor (biologist), Emanuel Barbosa (activist and musician), Januário, and Francisco Campos (students). The coexistence and inhabiting of that island led us to create new approaches to connect, feel and perceive the problems and new modes of engaging, together, forming a single body with all its complexity, we began to listen, feel and tune in to this sensitive territory called Paquetá.

In this laboratory participated the artists: Nathalie Fari, Guto Nóbrega, Cesar Baio, Paola Barreto, Sofia Mussolin, Marcela Cavalini, Daniel Puig, Mari Moura, Patrícia Freire, and Walmeri Ribeiro. We also had the participation of artist Gabriela Bandeira (aGradim project) and philosopher and researcher on Anthropocene issues, Alyne Costa.

9.jpeg
11.jpg

Foto: Alessandro Paiva

Como se aproximar de um lugar desconhecido, ou melhor, como incorporar um lugar em crise? Um lugar chamado Paquetá - “pac” (paca) e “etá” (muita) - uma pequena ilha no meio da Baía de Guanabara que desde os tempos coloniais vem recebendo diferentes pseudónimos. Hoje em dia, essa ilha vive entre um passado distante e um futuro próximo, entre as paisagens míticas e os problemas ambientais causados pelo homem, entre tentar sobreviver e construir novas narrativas. 

Dentro desse cenário, surgiu a proposta de um trabalho performativo e somático. Com um foco nas questões do lugar, desde o micro (a nossa sala na Casa das Artes) até o macro (o que vem a ser o Antropoceno), meu objetivo foi a criação de imersões corpo-ambientais a partir de diferentes exercícios. Baseados no conceito de site-specific e na improvisação, assim como em técnicas corporais como o yoga e os 5 ritmos (ou “conscious dance”), esses exercícios visaram aprofundar as relações criadas tanto com o grupo, quanto com o lugar. Uma das questões correntes foi procurar entender a dinâmica de um lugar isolado do mundo e, ao mesmo tempo, imbricado pelas atuais mudanças climáticas.

Sob esta perspectiva, o meu corpo em contato com os outros corpos, recebeu diferentes estímulos e vivenciou diversas formas de estar nos lugares. O que ainda soa em meu corpo é o movimento da respiração que geramos durante os exercícios, do inspirar e expirar do corpo individual e coletivo. Por alguns momentos, conseguimos até ser um corpo só, enraizado numa ilha que assim como todo organismo vivo, necessita de uma respiração profunda, de uma reconexão do que significa cuidar de si, do outro e dos lugares que nos circundam.

 

Nathalie Fari (artista convidada)

How to approach an unknown place, or rather, how to incorporate a site under a crisis? A place called Paquetá - "pac" (paca) and "etá" (much) - a small island amid Guanabara Bay that has been given different pseudonyms since colonial times. Today this island lives between a distant past and a near future, amidst mythical landscapes and man-driven environmental problems, somewhere between trying to survive and building new narratives.

Within this scenario, the proposal of a performative and somatic work emerged. With a focus on local issues, from the micro (our venue at Casa das Artes) to the macro (what we call the Anthropocene), my goal was to create bodily-environmental immersions through different exercises. Based on the site-specific concept and improvisations, as well as on body techniques such as yoga and the 5 rhythms (or "conscious dance"), these exercises aimed to deepen the relations created with both the group and the site. A common concern was to understand the dynamics of a place isolated from the world and, at the same time, imbricated by the ongoing climate changes.

From this perspective, my body in contact with other bodies received different stimuli and experienced different ways of being in places. What still rings in my body is the movement of the breathing that we generate during the exercises, the inhaling and exhaling of the individual and collective body. For a few moments, we even managed to be one body, rooted on an island that just like every living organism, needs a deep breath, a reconnection to what it means to take care of oneself, of others, and of the places that surround us.

Nathalie Fari (guest artist )

Lixos são containers vazios de energia consumida. São resíduos descartados, energias estagnadas, que não se transformam, não recuperam seu potencial inicial. Poderíamos pensar o lixo em termos de informação e entropia. Paradoxalmente o lixo é redundância, mas também é informativo na medida do improvável, como o plástico dentro dos organismos vivos das águas, no bico das aves. É uma informação que incomoda e que nos ameaça com sua presença ausente. Não consumimos a natureza, mas sim seus subprodutos industrializados. Há que se voltar para a terra, para a água, para o ar. O fogo nos cura, extrai nossos males. Fumaças sobem ao vento. A água nos lava e o sal nos limpa. Recuperamos nossas energias. A terra nos aterra para nos conectar com as estrelas, com o cosmos, na medida que criamos raízes, como as plantas. Comer as plantas. Resgatar uma harmonia sem perdas, apenas mantendo o fluxo sutil da vida que passa por nós. Há que se desnudar para retornar à natureza, sem danos, ou perdas, sem lixo. Onde não estaremos mais separados de nada.

Guto Nobrega (artista convidado)

Garbage is empty containers of consumed energy. They are discarded residues, stagnant energies, which do not transform and do not recover their initial potential. We could think of garbage in terms of information and entropy. Paradoxically, garbage is redundancy, yet, it is also informative to an improbable extent, like the plastic inside living organisms in the waters or in the beaks of birds. It is information that bothers us and threatens us with its absent presence. We do not consume nature but its industrialized by-products. We have to turn to the earth, to water, to air. Fire heals us, extracts our ills. Smoke rises with the winds. Water washes, and salt cleanses us. Our energies get recovered. The earth grounds us to connect us to the stars, to the cosmos, as we take root, like plants. Eat the plants. To reclaim harmony without loss, to maintain the subtle flow of life that passes through us. We must undress to return to nature, without damage or loss, without waste. There, where we will no longer be separated from anything.

Guto Nobrega (guest artist)

57.jpg
49.jpg

Na residência realizada em Paquetá, meu interesse foi discutir a relação entre a paisagem natural da ilha, objetos lançados como lixo na Baía de Guanabara e os navios, plataformas e infraestruturas ali instaladas. Como princípio de minha intervenção naquele local específico, assumi a intenção de fazer isso a partir da criação de uma relação horizontalizada e de aprendizado mútuo com habitantes locais. Deste projeto, surgiu a proposição Obliterações. No Dicionário, obliterar significa "fazer desaparecer ou desaparecer uma coisa, pouco a pouco, até que dela não fique nenhum vestígio”.

A ação proposta partiu do exame das imagens que os habitantes locais haviam produzido da ilha em que vivem. Estas imagens foram as catalisadoras de debates sobre a política da paisagem no contexto de Paquetá. O que estas imagens contam sobre o lugar e as pessoas? O que se mostra e o que se esconde nestas paisagens? De que maneira as praias e o mar se entrelaçam com objetos descartados presentes em suas praias, os navios, as plataformas e as infraestruturas instaladas nestas paisagens do Antropoceno?

A partir desta provocação, os moradores da ilha Alessandra Gomes, Daniele Mayor, Emanuel Barbosa, Francisco Campos, Januário Campos, se lançaram comigo em caminhadas pelas praias. A comum visada do horizonte em busca da paisagem de cartão postal deu lugar a olhos voltados à areia, ao lixo flutuante atracado na areia e às formas possíveis de composição entre aqueles objetos e a paisagem vista a partir da ilha. Se para mim aquelas paisagens remetiam a um complexo de conexões entre minhas leituras sobre o Antropoceno e as sensações disparadas por desenhos, pinturas e fotografias que encontrei em minhas pesquisas sobre a ilha, para meus companheiros de caminhada, elas eram a lembrança de passagens longínquas e recentes de suas próprias vidas. O gesto poético de obliterar, de “fazer desaparecer” um elemento da paisagem, acabou por revelar dimensões da realidade que costumam passar desapercebidas seja por estarem submersas nas águas profundas da Baía, seja por estarem acessíveis apenas àqueles que vivem na ilha cotidianamente. Entre o que está visível e invisível, o trabalho cria vestígios do que não é visto e acaba por embaralhar as funções de registro, memória e invenção da imagem.

 Cesar Baio (artista convidado)

During the residency in Paquetá, my interest was to discuss the relationship between the island's natural landscape, the objects thrown away at Guanabara Bay as trash, and the ships, platforms, and infrastructures installed there. As a principle of my intervention in that specific place, I assumed the intention of doing so by creating a horizontal relation of mutual learning with local inhabitants. From this project emerged the Obliterations proposition. In the Dictionary, obliterate means "to make something disappear or vanish, little by little, until no trace remains.

The proposed action started by examining photos taken by the residents at the island where they live. These images were the catalysts for debates regarding the politics of landscape in the context of Paquetá. What do these images tell about the site and the people? What is shown, and what is hidden, within these landscapes? In which ways are the beaches and the sea intertwined with the discarded objects present on the sands and with the ships, platforms, and infrastructures installed in these Anthropocene landscapes?

From this provocation, the residents of the island Alessandra Gomes, Daniele Mayor, Emanuel Barbosa, Francisco Campos, and Januário Campos embarked with me on walks along the beaches. The habitual glance at the horizon in search of the postcard landscape gave way to eyes turned to the floating garbage moored on the sand and to the possible ways of composition between those objects and the scenery seen from the island. If, to me, those landscapes referred to a series of connections between my readings about the Anthropocene, and the sensations triggered by drawings, paintings, and photographs I had encountered while researching the island, to my fellow walkers, they were the memory of distant and recent passages of their lives. The poetic gesture of obliterating, of "making disappear" an element of the landscape, revealed dimensions of reality that usually go unnoticed, either because they are submerged under the deep waters of the Bay, or because they are meaningful only to those who live there daily. Between what is visible and invisible, the work creates traces of what is unseen and shuffles the image's functions of register, memory, and invention.

Cesar Baio (guest convidado)

Alessandro_Paiva_Photo_01(paqueta_island_RJ_BRA).jpg
image.jpg

Essa ação é inspirada na celebração da primavera indiana chamada "Holi Festival", uma manifestação popular que acontece todo ano praticamente em toda a Índia como tradição do povo em sair às ruas para dançar lançando pó colorido e água uns nos outros.
Meu trabalho tem a intenção de celebrar a paisagem, exaltar o bem que a natureza nos traz. As cores do pó que cobrem as árvores nos mostram sua presença, sua magnitude. As marcas das suas sombras no solo trazem a noção do tempo que nos escapa aos olhos, assim como o pó irá se desfazer, não deixando marca alguma. Fica a memória de uma experiência na paisagem. 

Patrícia Freire (artista Convidada)

This piece is inspired by an Indian spring celebration called "Holi Festival", a popular traditional manifestation that happens every year all over the country when people come out to the streets and dance throwing colorful powder and water at each other.

My work celebrates the landscape to exalt the good that nature brings us. The colors that cover the trees show us their presence, their magnitude. The contours of their shadows on the ground evoke a sense of time that eludes our eyes, just as dust will crumble, leaving no trace. What remains is a memory of an experience in the landscape.

Patrícia Freire (guest artist)

IMG-5292.jpg
20200123_092716.jpg

Cheguei à Paquetá sem saber exatamente o que iria encontrar. Tentei não idealizar nem projetar nada, partindo da ideia de que a própria ilha me diria qual caminho tomar. Logo na chegada, decidi trabalhar em duas linhas de investigação. De um lado, colecionando vestígios, pistas, rastros e sinais a partir de objetos naturais ou fabricados que aparecessem em meu caminho, e que pudessem se tornar meus aliados em uma possível criação sobre esse território – físico e simbólico. Por outro lado, na biblioteca da Casa das Artes, encontrei algumas publicações sobre a Ilha, suas lendas, sua história oficial e as memórias de viajantes de épocas diversas. Particularmente me interessou o tema das guerras entre diversos grupos indígenas (Tamoios, Tupinambás e Temiminós) quando da invasão portuguesa, e o que a ilha poderia guardar, como testemunha deste período colonial. 

Organizei assim meus dias de trabalho entre leituras, anotações e pequenas derivas pela ilha, acompanhada dos ilhéus e de alguns colegas de residência, dispostos a encarar comigo esse jogo de fabulação a partir de objetos encontrados. A busca em si já acontece sempre carregada de sentidos projetados, e os significados adquiridos por cada elemento da coleção vão sendo alterados em narrativas inventadas e confrontos entre versões possíveis para as supostas origens de cada objeto encontrado.

Ao término das derivas, reuni uma coleção onde os objetos fabricados se mostraram menos interessantes do que os objetos naturais – ao menos na rede de narrativas que começamos a tecer. Nesse diálogo através do tempo e do espaço, entre humanos e natureza, retomei pesquisas anteriores de trabalhos realizados com plantas, e me embrenhei por uma nova conjectura: 

o que as árvores da ilha poderiam me contar? Essas árvores certamente são netas, bisnetas ou tataranetas de árvores que podem ter testemunhado muita coisa… As avós das árvores contam histórias às suas netas, como a minha me conta?

E se começássemos a olhar para as plantas não só pelo oxigênio que produzem, mas também pelo que podem nos ensinar?

Se as plantas são capazes de aprender com a experiência e, portanto, possuem mecanismos de memorização, essa memória fica inscrita em seus corpos? 

Em seus fósseis?

Foi assim que separei as flores secas de algumas palmeiras. A ideia era aproveitar estas flores secas para criar dispositivos comunicacionais, como rádios experimentais para criar um canal que liga passado e futuro.

Paola Barreto – Dr. Fantasma (artista convidada)

I landed in Paquetá without knowing what I was going to find. I tried not to idealize or project anything, starting from the idea that the island would tell me which path to take. As soon as I arrived, I decided to work along two lines of investigation. On the one hand, I collected vestiges, clues, traces, and signs from natural or manufactured objects that crossed my path and might become my allies in a potential creation from this territory - both physical and symbolic. On the other hand, at Casa das Artes' library, I found some publications about the island, its mythical stories, its official history, and the memories of travelers from different epochs. I was particularly interested in the wars between several indigenous groups (Tamoios, Tupinambás, and Temiminós) during the Portuguese invasion and what the island may have retained as a witness of this colonial period.

So I organized my working days between reading, taking notes, and small detours around the island, in the company of Ilhéus and some of my colleague artists willing to face this game of fabulation departing from found objects with me. The search itself is always imbued with projected meanings, and the meanings acquired by each element in the collection are altered through invented narratives and confrontations between possible versions of the supposed origins of each object.

At the end of the detours, I gathered a collection where the manufactured objects turned out to be less interesting than the natural ones - at least in the network of narratives we began to weave. In this dialogue across time and space, between humans and nature, I revisited previous investigations of works made with plants and embarked on a new conjecture:

What could the trees of the island tell me? These trees are certainly grandchildren, great-grandchildren, or great-great-grandchildren of trees that may have witnessed many things... Do the grandmothers of the trees tell stories to their granddaughters, as mine does to me?

What if we started seeing plants not only for the oxygen they produce but also for what they can teach us?

If plants are capable of learning from experience and therefore possess memorizing mechanisms, is this memory inscribed in their bodies? 

In their fossils?

That's how I picked the dried flowers from some palm trees. The idea was to use these flowers to create communicational devices, like experimental radios to make a channel that connects the past and the future.

Paola Barreto – Dr. Fantasma (guest artist)

22.jpg
13.jpg

Em Paquetá realizei presencialmente a ação performática Um Outro Lugar. A ação consistiu na presença e no deslocamento da Ministra (Mari Moura) pelas ruas da ilha de Paquetá. Conversei com os moradores e transeuntes sobre o que eles querem para a constituição de um outro lugar para viver. Com bloco de notas em mãos, anotei as pistas deixadas para a constituição deste “Outro Lugar”. Todo o deslocamento foi transmitido ao vivo via Instagram, ampliando assim, via telemática, a constituição do sensível e a ampliação do território.

Com a comunidade da ilha, estabelecemos um espaço de luta diária na constituição de um território sensível para se viver em meio às águas da Guanabara. 

Mari Moura (artista convidada)

In Paquetá I carried out the performative action AnOther Place on site. The action was the attendance and displacement of the Minister (Mari Moura) through the streets of the island of Paquetá. I talked with the residents and passers-by about what they wanted for the constitution of another place to live. With a notebook in hand, I wrote down the ideas they gave me for the constitution of this "Other Place." The whole movement was broadcast live via Instagram, thus extending, via telematics, this construction of the sensible and broadening of the territory.

With the island community, we have established a space of daily struggle in the constitution of a livable sensitive territory amidst the waters of Guanabara.

Mari Moura (guest artist)

Ao terminar a oficina de escuta Cosmoaudições, que ofereci na Ilha, tinha outra vez aprendido a escutar o mundo de uma nova maneira. É a mágica do contato humano criativo, aberto e curioso, da busca por algo que nos diga mais sobre a vida e seus viventes. Ela contagia, brota onde não se espera e nos arremessa aos caminhos. Delicada teia sonora espalhada em seu microambiente. Respingada nas ondulações do mar. Acolhida em um dispositivo de registro em dois canais, microfones a 90 graus. Emanuel falava dos apoitos, essa palavra das vidas marítimas que me faltava no vocabulário. Apoitar é prender o barco com um bloco de concreto amarrado a uma corda e uma boia. À noite, a boia recebe uma chama acesa, coberta por um garrafão de água com o fundo cortado. E o barco ao redor, preso pela corda, sem nunca encalhar, como uma ilha móvel... Essa é a razão de ser do apoito: prender o barco na praia ou nos pontos de pesca

próximos às ilhas, e evitar que encalhe, deixando que dance, livre, nos fluxos e marés. De repente, tudo era apoito. A escuta das ondas e marulhos, o não-retorno à sua terra, as conversas e práticas pisando os territórios sensíveis, o desenrolar dos processos de criação coletivos e individuais, a própria vida ida-e-vinda ilhoa. Tudo era apoito. Aquilo que fica para te libertar.

Daniel Puig (artista convidado)

By the end of the Cosmoauditions active listening workshop offered on the Island, I had once more learned to listen to the world in a new way. It is the magic of creative, open, and curious human contact, of the search for something that tells us more about life and its living creatures. It is contagious, springs up where one does not expect it, and throws us to the pathways. A delicate sound web spread out in its microenvironment. Sprinkled on the waves of the sea. Hosted in a recording device in two channels, microphones at 90 degrees. Emanuel was talking about the apoitos, that word of the maritime lives that was missing in my vocabulary. Apoitar is to secure the boat with a concrete block tied to a rope and a buoy. At night, the buoy receives a lighted flame, covered by a bottle of water with the bottom cut out. The boat stays close by, attached by the rope, without ever running aground, like a mobile island... This is the raison d'être of the apoito: to secure the boat on the beach or at the fishing spots close to the islands, and prevent it from running aground, letting it dance, free, in the flows and tides. Suddenly, everything was apoito. The listening to the waves and noises, the non-return to their land, the conversations and practices walking around the sensitive territories, the unfolding of the collective and individual creation processes, life itself, in its coming and going, is like an island. Everything was apoito. That which remains to set you free.

Daniel Puig (guest artist)

IMG_8804.jpg
IMG_8818.jpg

Como habitar o que ainda nos resta?

Habitar, de maneira geral, se relaciona intimamente ao sentimento de estar vinculado à terra, ou seja, a algum território que seja de importância e relevância para a vida dos seres e das coisas que dela comungam. Mas habitar não é algo estático. Habitar implica estar presente e vivo na relação. Esse aspecto recoloca o movimento como condição central para os corpos que, desde suas experiências vividas, nas relações que constroem e se enraízam, compartilham um território. Quando me movo em direção à Ilha de Paquetá é porque desejo partilhar, com ela e com seus habitantes humanos e não-humanos, desse território movente, através da dança e da performance. Construir e criar um novo território que não pertence somente aos que lá já estão, tampouco é promovido exclusivamente pela minha chegada. E sim, um terreno, um plano que nos perpassa e nos faça vibrar nesse encontro que é intensificado pela magia e pelo encantamento e que, por isso mesmo, talvez só aconteça ali, com tudo que compõem aquele lugar. A historicidade colonial, presente nas edificações, os rastros e o discurso dos moradores sobre o que afeta a face turística da atual Paquetá: a presença do lixo e a poluição das águas da Guanabara; me lançaram à proposta da performance Apocalipxon.  Quem são os corpos-lixo que povoam certo imaginário abjeto e apocalíptico? Como estão emaranhados às marcas de um projeto necrocolonial? Como coabitar esse território movente?

O pátio da Comlurb, que armazena o lixo recolhido na Ilha e o lixo retirado das praias e águas da Guanabara, se apresentou como o cenário/paisagem para a investigação dessas questões. Desenvolvi minha ação lá, em meio aos materiais recolhidos e às pessoas que os recolhem. Com apoio da direção local e dos garis, entre eles, seu Hélio, tive acesso a história daquele terreno e aos dados do fluxo de lixo. Todos compunham comigo esta pesquisa e a criação da performance Apocalipxon, apresentada no encerramento do Laboratório. Em colaboração com os artistas Emmanuel Barbosa e Daniel Puig, a sonoridade aconteceu somando-se à daquela paisagem. Um ritual fora do mapa. Para performar o amanhã. Através da escuridão. Habitar o agora. Ser guiado pelo passado. Em respeito aos que aqui não existem mais.

Deixar-se ser Ilha.

Marcela Cavalini (artista convidada)

How to inhabit what we still have left?

In general, to inhabit is closely related to the feeling of being connected to the land, that is, to some territory that is important and relevant to the life of beings and things that coexist in it. But dwelling is not something static. To inhabit implies being present and alive in the relationship. This aspect repositions movement as a central condition for the bodies that share a territory, from their lived experiences, in the relationships they build and root themselves. When I move towards Paquetá it is because I want to share, with it and its human and non-human inhabitants, this moving territory, through dance and performance. To build and create a new territory that does not belong only to those who were already there, nor is exclusively promoted by my arrival. Rather, a terrain, a plane that permeates and makes us vibrate in this encounter intensified by magic and enchantment and, perhaps for this very reason, only happens there, with each of the elements that make up that place. The colonial historicity present in the buildings and the garbage pollution of the Guanabara waters, whose vestiges are present in the discourse of the residents around what affects the tourist face of the current Paquetá, launched me to the proposition of the Apocalipxon performance. 

Who are the trash-bodies that populate a certain abject and apocalyptic imaginary? How are they entangled with the marks of a necrocolonial project? How to cohabitate this moving territory?

Comlurb's yard, which stores the garbage collected on the Island and the trash taken from the beaches and waters of Guanabara, presented itself as the setting/landscape to investigate these questions. I conducted my action there, amidst the collected materials and the people who collect them. With the support of the local management and the garbage collectors, among them Mr. Hélio, I had access to the history of that terrain and the data on garbage flux. All of that was part of the research and creation of Apocalipxon, performed at the Lab closing. In collaboration with the artists Emmanuel Barbosa and Daniel Puig, we added a sound layer to that landscape. An off-map ritual. To perform the tomorrow. Through the darkness. To inhabit the now. To be guided by the past. In respect for those who no longer exist here.

To let oneself be an Island.

Marcela Cavalini (guest artist)

IMG_8762.JPG
IMG_8555.jpg

Para o desenvolvimento da ação artística "Reflexões da Baía" propus aos participantes uma caminhada silenciosa e solitária, observando o deslocamento de seus próprios corpos através de um papel de superfície refletora. As intenções da ação consistiam em redimensionar o lugar que um corpo ocupa na paisagem, repensar os limites entre interno/externo e perceber que o que olhamos, também nos olha. Assim, estendemos a noção de forma e criamos possíveis definições para o conceito de coexistir. Nesta proposta coexistimos. A ativação de um outro olhar e escuta, que percebe a paisagem perturbada e se insere em uma prática de intimidade com outros seres e seus mundos, individual e coletivamente, reflete sobre a experiência corpórea integrada ao território. Como nós, humanos, nos relacionamos e “refletimos” com a Baía de Guanabara? Como a Baía se relaciona e se “reflete” em nós? Este é um convite a fabulações de novas correlações no desenvolvimento de movimentos relacionais multiespécies.

Sofia Mussolin (artista convidada)

For the unfolding of the artistic action Reflections of the Bay, I proposed a silent and solitary walk to the participants, observing the displacement of their own bodies through a reflective surface paper. The action intended to rescale the position occupied by a body on the landscape, rethink the boundaries between internal/external, and perceive that what we look at is also looking at us. Thus, we broadened the notion of form and created possible definitions for the concept of coexisting. Within this proposal, we coexist. The activation of a different seeing and listening, which perceives the disturbed landscape and places itself as a practice of intimacy with other beings and their worlds, individually and collectively, reflects on the corporeal experience integrated into the territory. How do we humans relate to and "reflect" on Guanabara Bay? How does the Bay relate to and "reflect" on us? It is an invitation to fabricate new correlations in elaborating multi-species relational movements.

Sofia Mussolin (guest artist)

Laboratório 4 – Galeria Z42 | RJ – Janeiro, 2020

Lab 4 – Z42 Gallery | RJ – January, 2020

ef45f36e-0841-4737-8579-1b2f455260f3.jpg
DSC01087.jpg
z42 (13).jpg
z42 (41).jpg

Depois de um ano de encontros, experiências e imersão nos Territórios insulares da Baía de Guanabara, nos reunimos em janeiro de 2020 na Galeria Z42, localizada no Cosme velho, na Zona Sul carioca, para um processo de criação e desenvolvimento de obras artísticas coletivas. Era o momento de estarmos todos juntos, de conversarmos sobre o que vivenciamos, de dar visibilidade aos processos e de compartilhar, com um público mais amplo, a experiência vivida. 

O objetivo deste quarto laboratório era o de criar um diálogo amplo sobre as questões que levantamos, para isso decidimos criar um “espaço entre”, um espaço entre a experiência imersiva nos territórios e a exposição das obras artísticas. Para compor este “espaço entre”, além do nosso coletivo temporário composto pelos 12 artistas e 10 colaboradores, convidamos outros artistas, cientistas, ambientalistas e pescadores (de outras colônias), para que juntos tecêssemos coletivamente uma grande rede que abraçasse todas as questões e pontos de vista desse território sensível chamado Baía de Guanabara. 

After a year of meetings, experiences, and immersion in Guanabara Bay's insular territories, we gathered at Galeria Z42, located in Cosme Velho, in Rio's south zone, in January 2020, for the collective creation and development of artistic works. It was the occasion for all of us to gather together, have a conversation about what we experienced, bring visibility to the processes, and share, with a wider audience, the lived experiences.

The purpose of the fourth lab was to create a broader dialogue concerning our questions, so we decided to create a "space in between," a space between the immersive experience in the territories and an art exhibition. We invited other artists, scientists, environmentalists, and fishermen from other colonies, in addition to our temporary collective, composed of 12 artists and 10 collaborators, to create this "space in between," to collectively weave a large network embracing all concerns and standpoints from this sensitive territory called Guanabara Bay.

57B38A15-F9AA-4AF7-B1C5-6BE219AE82FF.jpg
z42 (59).jpg
z42 (48).jpg

Exposição

Exhibition

DSC01039.JPG
DSC01089.JPG
IMG_5956.jpg
DSC01066.JPG

Como finalização desta primeira etapa do projeto, realizamos uma exposição das dez obras desenvolvidas durante os laboratórios e lançamos o livro “Territórios Sensíveis: Baía de Guanabara | 2019-2020”. http://editoracircuito.com.br/website/territorios-sensiveis-walmeri-ribeiro/

As a closure of this first stage of the project, we held an exhibition of the ten pieces produced during the labs and published the book "Territórios Sensíveis: Baía de Guanabara | 2019-2020". http://editoracircuito.com.br/website/territorios-sensiveis-walmeri-ribeiro/

Videoduto

Instalação

Ruy Cesar Campos e Luiz Antônio-Pãozinho

 

Em 18 de janeiro de 2000, 1,3 milhões de litros de óleo vazaram na Baía de Guanabara após o rompimento de um duto de petróleo em Duque de Caxias. Enquanto uma zona de sacrifício em nome do progresso, são aqueles que nela e dela vivem, os sacrificados, muitos ainda hoje em luta para receber as devidas indenizações.

​O duto que compõe esta videoinstalação foi encontrado na beira do Mangue do Jequiá, na Colônia Z-10. Em 2018, depois de flutuar em meio a dança entre vento, correntes marítimas e microplásticos da Baía de Guanabara, o duto adentrou o mangue, danificando os barcos de pescadores, até encontrar um propósito transitório e ser usado para um ensaio audiovisual.

Em 2019, o rio Jequiá foi um dos pontos de visibilidade de denúncias de vazamento de óleo proveniente de navios. Seu Geraldo, um dos pescadores mais velhos da colônia Z-10, em entrevista para a construção do videoduto, realizada por um dos pescadores mais novos e respeitados da Colônia, conta como em 1975 o primeiro vazamento de óleo gigantesco da Baía de Guanabara promoveu um incêndio devastador.

... 1975, 1997, 2000, 2019, Baía de Guanabara e seus estratos esquecidos de desastres da petropolítica.

Videoduct

Video Installation

Ruy Cesar Campos and Luiz Antônio-Pãozinho

 

On January 18, 2000, 1.3 million liters of oil leaked into Guanabara Bay after a pipeline rupture in Duque de Caxias. As a sacrifice zone on behalf of progress, it is those who live off it and in it the ones who are sacrificed, many of whom are still struggling to this day to get their due compensation paid.

The duct that integrates this video installation was found at the margin of Jequiá Mangrove in Colônia Z-10. In 2018, after floating amidst the dance between wind, sea currents, and microplastics from Guanabara Bay, the duct made its way into the mangrove, damaging fishermen's boats until it found another transitory purpose and was employed for an audiovisual essay.

In 2019, the Jequiá River was one of the hotspots of exposure of denunciations of oil leakage from ships. Mr.Geraldo, one of the oldest fishermen in Colônia Z-10, interviewed by one of the youngest and most respected fishermen of the community during the making of Videoduct, tells us how back in 1975, the first massive oil spill in Guanabara Bay promoted a devastating fire.

​... 1975. 1997. 2000. 2019. Guanabara Bay and its forgotten strata of petropolitical disasters.


 

 

 

Feeling like a FISH ou Sentindo-se como um Peixe

Instalação sensorial

Walmeri Ribeiro, Daniel Puig, Thiago Caiçara e Luiz Antônio-Pãozinho

 

A instalação sensorial Feeling like a FISH ou Sentindo-se como um Peixe, surgiu do encontro com um dos pescadores mais antigos da Colônia Z-10, o Sr. Geraldo, e do convite para acompanhá-lo em um dia de pesca na Baía de Guanabara. 

Na fala do experiente e atencioso pescador, ao relatar as dificuldades da pesca artesanal frente à poluição da Baía, nos disse: “Até o peixe já vem embalado, de tanto lixo”. Esta frase ecoou em nossos corpos, e foi visível a olhos nus, tornou-se então estímulo para a criação do projeto desta instalação sensorial.

Composta por uma carcaça de refrigerador, descartada no mangue do Jequiá, o lixo plástico produzido pelos dos artistas envolvidos que foi coletado, e sons captados no fundo e na superfície das águas da Baía de Guanabara, Feeling like a FISH ou Sentindo-se como um Peixe, convida o espectador/participante a tornar-se performer e experienciar, pelo tempo que desejar, ou aguentar, as sensações que a poluição das águas da Guanabara produz nos corpos dos peixes e animais marinhos, assim como nos nossos, humanos.

Esta é uma obra-convite ao sentir, romper hábitos e se reconectar com o que comumente chamamos Natureza.

Feeling like a FISH 

Sensorial Installation

Walmeri Ribeiro, Daniel Puig, Thiago Caiçara, and Luiz Antônio-Pãozinho

 

The sensorial installation Feeling like a FISH emerged from the encounter with one of the oldest fishermen of Colônia Z-10, Mr. Geraldo, and his invitation to join him on a fishing day at Guanabara Bay.

In the words of the experienced and thoughtful fisherman, when describing the difficulties of artisanal fishing given the pollution of the Bay, he told us: "The fish comes already wrapped with all that garbage." This sentence that echoed in our bodies, and was evident to our naked eyes, then became the stimulus for creating this sensorial installation project.

Made up of a refrigerator carcass, discarded in the Jequiá mangrove vegetation, the plastic waste produced by the participating artists that had been collected, and sounds captured from the bottom and the surface of the waters of Guanabara Bay, Feeling like a FISH invites the spectator/participant to become a performer and experience, for as long as they wish or can stand it, the sensations 

produced by the pollution of these waters in the bodies of fish and marine animals, as well as in our own, as humans.

This is an artwork-invitation to feel, break habits, and reconnect with what we commonly call Nature.


 

Feiticeira

Instalação e Performance

Marcela Cavallini, Sofia Mussolin e moradores da Colônia Z-10

 ​

Feiticeira é o nome dado a um tipo de rede (feita de 3 enredados) usada pelos pescadores da Baía de Guanabara. Nesta obra, a tessitura coletiva desse enredado evoca o poder feminino e a imaginação como campos de força e visibilidade para as questões ambientais que permeiam a vida cotidiana das pessoas que vivem e sobrevivem na Colônia Z-10 e na Baía de Guanabara.  

Inspiradas nas palavras de Sr. Geraldo: "aqueles peixes nobres, como Robalo e Linguado, que possuem casa própria e vivem no fundo do mangue", realizamos a oficina corpo-ambiente, coletamos redes, imagens e histórias durante um processo de escuta andarilha, recolhemos garrafas de plástico e as trançamos, construindo nossa grande serpente Feiticeira. Corporificamos esse signo e surgimos de barco, em meio ao mangue, num só corpo, coletivo, enredado pela rede-escama. Em seguida, saímos em caminhada-performance pelas ruas da colônia.

Nossa serpente Feiticeira, essa rede-escama instalada na galeria Z42 é um convite para adentrá-la, sentir seu cheiro e seu peso, deixar o corpo submerso e acostumá-lo ao novo ambiente, questionar a realidade e suas emergências e compor a ação realizada na colônia de pescadores, corporificando-a.

Sorceress

Installation and Performance

Marcela Cavallini, Sofia Mussolin, and Colônia Z-10 residents

 ​

Sorceress is the name given to a type of net (made of 3 meshes) used by the fishermen of Guanabara Bay. In this work, the collective weaving of the mesh evokes feminine power and imagination as power and visualization fields to connect with the environmental problems that permeate the daily life of people living and surviving at Colônia Z-10 and Guanabara Bay. 

Inspired by Mr. Geraldo's words: "those noble fish, like Robalo and Linguado, that have their own houses and live at the bottom of the mangrove," we held a body-environment workshop, we collected nets, images, and stories during a process of wanderer hearing, we also collected plastic bottles and braided them, creating our great serpent Sorceress. We embodied this sign and appeared in the midst of the mangrove on a boat, in a single, collective body, entangled by the fishnet-snake. After that, we began a performative walk down the colony streets.

Our serpent Sorceress, this scale-fishnet installed at Z42 gallery, is an invitation to penetrate it, to smell its scent and feel its weight, to leave one's body submerged and get used to the new environment, to question our daily reality and its emergences, and to compose the action held in the fishermen's community, embodying it.

 

 

Escutas para luz e água

Instalação
Guto Nóbrega e Daniel Puig

A instalação Escutas para luz e água é fruto de um feliz encontro de ideias e afinidades entre as investigações sobre comunicação à base de luz, água e vida orgânica de Guto Nóbrega e a inventividade sonora de Daniel Puig. O desejo, a princípio, era explorar como a água, enquanto meio, poderia informar um feixe luminoso de laser, quanto aos movimentos microscópicos de matéria orgânica proveniente de plantas aquáticas, ou, mais especificamente, o movimento das raízes dessas plantas. A ideia se constituiu em passar um feixe de laser através de um pote de vidro contendo o meio aquoso e a planta, refratar este mesmo feixe através de um cristal de quartzo, e fazê-lo incidir sobre um sensor de luz. Com a ajuda do Daniel, foi montado um sistema de síntese sonora na plataforma MAX/MSP, plataforma para criação de mídia interativa, com especial apelo aos artistas sonoros devido ao enorme potencial criativo de sua interface, no qual as modulações do feixe de laser causadas pelo deslocamento de matéria orgânica através da água pudessem ser escutadas. Trabalhamos com sistemas complexos, sejam eles de natureza matemática, sonora ou orgânica – uma investigação nesse campo nos dá muita margem para o caos e o improviso, peças fundamentais para a emergência de novas formas, sonoras e visuais. 

 

Wiretaps for light and water

Installation

Guto Nóbrega and Daniel Puig

The installation Wiretaps for light and water is the fruitful outcome of a happy encounter of ideas and affinities between Guto Nóbrega's research on communication based on light, water, and organic life and Daniel Puig's inventive sonics. Initially, we desired to explore how water, as a medium, could inform a laser beam about the microscopic movements of organic matter originating from aquatic plants or, more specifically, movement from the plant's roots. The idea was to run a laser beam through a glass jar containing an aqueous medium and the plant, refract this same beam through a quartz crystal, and focus it on a light sensor. With Daniel's help, we assembled a sound synthesis system on MAX/MSP, a platform for interactive media creation especially appealing to sound artists due to the interface's huge creative potential, where laser beam modulations caused by the displacement of organic matter through water could be heard. We work with complex systems, be they of mathematical, sonic, or organic nature - an investigation in this field gives us a lot of room for chaos and improvisation, fundamental pieces for the emergence of new sonic and visual forms.

Obliterações

Alessandra Gomes, Cesar Baio, Daniele Mayor, 

Emanuel Barbosa, Francisco Campos, Januário Campos

Obliterar: Fazer desaparecer ou desaparecer uma coisa, pouco a pouco, até que dela não fique nenhum vestígio.

Obliterações parte de um exercício de observação e reinvenção da paisagem. Como examinar as tensões que se estabelecem entre a paisagem idílica da ilha de Paquetá, que historicamente atraiu o olhar de pintores, fotógrafos, escritores, turistas e habitantes do local, e as intervenções humanas de larga escala na Baía de Guanabara, instauradas pela urbanização descontrolada, pelas megainstalações industriais e pela poluição descontrolada?

A série fotográfica Obliterações discute o que é visto e o que é negligenciado pelos sentidos quando nos deparamos com uma paisagem que efetivamente representa o Antropoceno. No trabalho, objetos de lixo flutuante que atracam nas praias trazidos pelo fluxo das marés são utilizados para esconder determinados elementos da paisagem. Paradoxalmente, o gesto poético de “fazer desaparecer” um elemento da paisagem acaba por revelar dimensões da realidade que costumam passar desapercebidas, seja por estarem submersas nas águas da baía, pela negligência do olhar do visitante ou por serem acessíveis somente à memória afetiva de quem vive seu cotidiano naquele lugar. Entre o que está visível e invisível, o trabalho cria vestígios do que não é visto e acaba por embaralhar as funções de registro, memória e invenção da imagem.

 

Obliterations

Alessandra Gomes, Cesar Baio, Daniele Mayor, 

Emanuel Barbosa, Francisco Campos, and Januário Campos

To obliterate: To make a thing disappear or vanish, little by little until there is no trace of it..

Obliterations started from an exercise to observe and reinvent the landscape. How to examine the tensions between the idyllic landscape of Paquetá Island, which historically attracted the gaze of painters, photographers, writers, tourists, and local inhabitants, and the large-scale human interventions in Guanabara Bay, instituted by unplanned urbanization, industrial mega-installations, and rampant pollution?

Obliterações parte de um exercício de observação e reinvenção da paisagem. Como examinar as tensões que se estabelecem entre a paisagem idílica da ilha de Paquetá, que historicamente atraiu o olhar de pintores, fotógrafos, escritores, turistas e habitantes do local, e as intervenções humanas de larga escala na Baía de Guanabara, instauradas pela urbanização descontrolada, pelas megainstalações industriais e pela poluição descontrolada?

Obliterations photographic series discusses what is seen and what is overlooked by our senses when we encounter a landscape that effectively represents the Anthropocene. In this work, floating trash objects that wash up on beaches brought by the tides are used to hide certain elements of the landscape. Paradoxically, the poetic gesture of "making an element of the landscape disappear" ends up revealing dimensions of reality that usually go unnoticed, either because they are submerged under the bay's waters, by the disregard in the visitor's gaze, or because they can only be accessed by the affective memory of those who live in that place. Somewhere between what is visible and invisible, the work creates traces of what is not seen and ends up shuffling the image's functions of register, memory, and invention.

Em busca de uma natureza perdida

Fotografia

Nathalie Fari​​

A série fotográfica Em busca de uma natureza perdida emergiu de um laboratório performativo que a artista Nathalie Fari realizou durante a residência artística em Paquetá. Usando o processo de documentação como base para a criação de momentos performativos, assim como formas de narração, essa série problematiza as questões ambientais da Ilha a partir de uma dimensão fictícia; criando um cenário pós-apocalíptico, no qual a ilha tornou-se inabitável em função das mudanças climáticas. A única coisa que sobrou, é uma série de corpos deitados sempre na mesma posição, em diferentes pontos da ilha, congelados como se o tempo tivesse parado, como se ainda houvesse uma chance de recuperação, recuperação de uma natureza perdida, de todos os tipos de vida humanas e não-humanas...

Searching for a lost nature

Photography

Nathalie Fari

The photographic series Searching for a Lost Nature emerged from a performative lab realized by artist Nathalie Fari during the artistic residency in Paquetá. Having the processes of documentation as a basis for the creation of performative moments, as well as ways of narration, this series problematizes the iland's environmental problems from a fictional dimension; creating a post-apocalyptic scenario in which the island has become uninhabitable due to climate changes. The only thing that remains is a series of bodies, lying in the same position at different spots on the island, frozen as if time had stopped, as if there was still a chance of recovery, the resurgence of a lost nature, of all kinds of human and non-human life...

 

 


 

Pergunte às árvores

Instalação
Paola Barreto – Dr. Fantasma – colaboração dos Ilhéus

 

Pergunte às árvores é o nome desta instalação composta pelas flores secas de palmeiras coletadas na ilha, associando-as a bobinas de cobre e amplificadores de áudio, que dei como minha contribuição na Z42. Essas flores, apesar de não estarem mais vivas, guardam memória e história, como jovens fósseis. E se pudéssemos ouvi-las, o que teriam a nos dizer? Considerando que testemunhamos todos, humanos e não humanos, ao que chamamos de mudança de era geológica, apresentei alguns protótipos de dispositivos multimediúnicos, associando tecnologias de conexão entre distintas formas de energia e nossa capacidade de imaginar e sonhar juntos. Desse modo é como se as antenas de flores secas nos possibilita de fato uma conversação, nos colocando em contato com vozes que são audíveis apenas através desses dispositivos, que combinam elementos eletrônicos a elementos orgânicos.

Guto Nóbrega trouxe algumas provocações interessantes para desdobrar a pesquisa com o aparato, apontando para a importância de se aferir qual faixa do espectro essas antenas de flores estariam sintonizando, bem como a necessidade de criar parâmetros para compreender o que de fato estamos escutando: rádio comercial, frequências naturais ou vozes do além?

    

Ask the trees

Installation

Paola Barreto - Dr. Fantasma – in collaboration with the Ilhéus

 

Ask the trees is an installation composed of dried palm tree flowers collected on the island associated with copper coils and audio amplifiers, which I did as my contribution to Z42 gallery. The flowers, although no longer alive, hold memory and history like young fossils. If we could hear them, what would they have to tell us? Considering that we all, humans and non-humans, are witnessing what we call the change of a geological era, I presented some prototypes of multi-mediunic devices associating technologies that connect different forms of energy with our capacity to imagine and dream together. Thus it is as if the dried flower antennae actually enabled us to have a conversation, putting us in touch with voices that are audible only through these devices, which combine electronic with organic elements.

Guto Nóbrega brought some interesting provocations to unfold the research with the apparatus, pointing to the importance of gauging which band of the spectrum these flower antennas would be syntonizing, as well as the need to create parameters to understand what, in fact, we are listening to: commercial radios, natural frequencies or voices from beyond?

 

 

Escritório de [Des] afetos

Fotografia e Processos Gráficos

Alessandro Paiva

 

Escritório de [Des] afetos configura-se como uma outra cartografia da Baía de Guanabara. Composta por imagens fotográficas, textos – com pensamento de autores como: Deborah Danowski, Isabelle Stengers, Felix Guattari e Eduardo Viveiros de Castro, que estudamos durante o processo –, um caderno de bolso que me acompanhou durante os laboratórios, contendo relatos e notas, e informações sobre contaminação, poluição, esgoto e plástico, relacionados a Baía de Guanabara, divulgados em sites jornalísticos, científicos e culturais. A obra exposta realiza um cruzamento desses dados, propondo diálogos semânticos e um diagrama/paisagem com a complexidade desse território chamado Baía de Guanabara.

 

[Dis]affections Office

Photography and Graphic Processes

Alessandro Paiva

 

[Dis]affections Office configures itself as alternative cartography of Guanabara Bay. Composed of photographic images, texts - with quotes from authors such as Deborah Danowski, Isabelle Stengers, Felix Guattari, and Eduardo Viveiros de Castro, whom we studied during the process -, a small notebook that accompanied me during the labs, containing stories and notes, as well as information regarding contamination, pollution, sewage, and plastic, related to Guanabara Bay, published in journalistic, scientific and cultural websites. The exhibited piece crosses these data, proposing semantic dialogues and a diagram/landscape with the complexity of this territory called Guanabara Bay.

Gabinete Ministério dos Territórios Sensíveis

Performance

Mari Moura

 

O gabinete do MITESE tem como objetivo performar os despachos da pasta por meio das seguintes atividades: 1. instalar fisicamente o gabinete de trabalho; 2. conviver com os artistas e colaboradores do projeto Territórios Sensíveis, com intuito de propor e realizar ações artísticas coletivas; 3. conviver com os frequentadores da Galeria a fim de explicar o que é o MITESE e quais as ações da pasta; 4. emitir e publicar portaria de posses para os assessores empossados durante as etapas do projeto na Colônia Z-10 e Ilha de Paquetá; 5. Realizar transmissões ao vivo, no espaço virtual do Instagram, das intervenções realizadas. 6. Apresentar a elaboração da cartilha de performance do MITESE, onde seriam descritos os protocolos da performance Um outro lugar realizada pela performer Mari Moura.

 

Ministry of Sensitive Territories Cabinet

Performance

Mari Moura

 

MITESE's cabinet aims to perform the ministerial dispatches through the following activities: 1. materially install the work office; 2. meet the artists and collaborators involved in the Sensitive Territories project, aiming at the proposal and performance of collective artistic actions; 3. socialize with the Gallery frequenters to explain what MITESE is and what the actions of the ministry are; 4. issue and publish an investiture ordinance for the advisors appointed during the phases of the project at Colônia Z-10 and Paquetá Island; 5. broadcast live on Instagram's virtual space, the interventions performed. 6. present the elaboration of the MITESE performance booklet, where the performance protocols of AnOther Place, performed by Mari Moura, would be described.

Paisagens Veladas

Patrícia Freire

 

Paisagens veladas reúne uma série de pinturas em aquarela, que realizei a partir de minhas sensações e da relação com as diversas paisagens que compõem a Baía de Guanabara. Para essa série, lancei-me ao desafio de criar pinturas em folhas de papel A4, me propondo a performar, ao vivo na galeria, junto à água e a tinta em contato com a superfície do papel. Um processo de desvelamento e compartilhamento de paisagens que compunham apenas o meu imaginário, minhas sensações e percepções deste território velado.

Veiled Landscapes

Patrícia Freire

Veiled Landscapes brings together a series of watercolor paintings I created based on my sensations and relations with the various landscapes that compose Guanabara Bay. For this series, I challenged myself to create paintings on A4 sheets of paper, proposing a performance, live in the gallery, together with the water and the paint in contact with the paper surface. A process of unveiling and sharing landscapes that were only part of my imagination, my sensations, and perceptions of this veiled territory.

Pesquisa Performativa – Guapimirim | Quilombo do Feital | Colônia Z-9 – Magé

Performative Research - Guapimirim | Quilombo do Feital | Colônia Z-9 - Magé

Ainda em 2020, como parte de um novo mapeamento performativo realizamos uma imersão, com um grupo menor de artistas, na área de manguezal da APA de Guapimirim (ICMBio), localizada na região nordeste da baía, o conhecido recôncavo da Guanabara. Recebidos pela bióloga Juliana Fukuda, percorremos as águas dos rios não poluídos Guapi-Macacu e Guaraí, que desembocam na Baía de Guanabara. São 60 Km de mangues preservados, dentro dos limites da APA, uma parte deste mangue é remanescente, mas grande parte é resultado do reflorestamento. A alguns quilômetros dali um perigo iminente de contaminação e destruição, o complexo petroquímico do Estado do Rio de Janeiro-COMPERJ, instalado entre os municípios de Itaboraí, Guapimirim e Cachoeiras de Macacu. Entre um risco iminente e a beleza dos rios, mangues, fauna e flora, iniciamos o desejo de conhecer as comunidades caiçaras e quilombolas que habitam aquela região. 

Com as ações interrompidas em função da pandemia de COVID-19, apenas no final de 2020 conseguimos realizar as primeiras visitas às comunidades do Quilombo do Feital e dos pescadores artesanais de Magé – Colônia Z-9.

Yet, in 2020, we conducted an immersion with a smaller group of artists as part of a new performative mapping in the mangrove area of the Guapimirim APA (ICMBio), located in the northeastern part of the bay, the popular Guanabara recess. Guided by biologist Juliana Fukuda, we crossed the waters of the non-polluted rivers Guapi-Macacu and Guaraí, which outfalls into Guanabara Bay. There are 60 km of preserved mangroves within the limits of the APA, part of which is remnant, but most of it is a result of reforestation. A few kilometers away, an imminent threat of contamination and destruction, the petrochemical complex of the State of Rio de Janeiro-COMPERJ, is installed between the municipalities of Itaboraí, Guapimirim, and Cachoeiras de Macacu. Between an imminent danger and the beauty of the rivers, mangroves, fauna, and flora, we ignited a desire to meet the caiçara and quilombola communities that inhabit that region.

With the activities interrupted due to the COVID-19 pandemic, it was only by the end of the year that we were able to visit the communities of Quilombo do Feital and the artisanal fishermen of Magé - Colônia Z-9 for the first time.

Laboratório – Quilombo do Feital | Magé-RJ

Lab - Quilombo do Feital | Magé-RJ

Guapomirim07.jpeg
Guapimirim05.jpeg
Guapimirim08.jpeg
Guapimirim06.jpeg

Recebidos por um grupo de mulheres Quilombolas, lideradas por Valdirene, durante os dois dias de convivência conhecemos as narrativas da pesca do caranguejo, realizada por parte das mulheres do Quilombo, do plantio e tratamento do colorau e do artesanato em palha. Como parte de uma zona de sacrifício, este é mais um território em disputa às margens da Guanabara.  Juntas desenhamos algumas possibilidades de ações, discutimos a importância do trabalho com mulheres, jovens e crianças do Quilombo. Traçamos rotas coletivas.

No entanto, com a crise sanitária e social instaurada no Brasil, as atividades presenciais de Territórios Sensíveis junto às comunidades tiveram que ser interrompidas. A realidade de contaminação, morte, pobreza e fome em muitas comunidades se agravaram. Com isso, continuamos em relação mediada (quando possível, diante da carência de uma internet de qualidade) com as comunidades, esperando o momento de voltarmos à convivência ou a criação de outros modos de viver junto. 

Nossas rotas tiveram que ser revistas, abandonadas. As urgências ainda eram outras, mas a comunicação e a continuidade de interação, possibilitada pelo edital de apoio à projetos do Prince Claus Fund, possibilitou o redesenhar de ações futuras, que, no seu tempo, começam a ser desenvolvidas.

Welcomed by a group of Quilombola women, led by Valdirene, we got to know the stories of crab fishing conducted by the women of the Quilombo, the cultivation and processing of achiote, and straw handicrafts. Being a sacrifice zone, this is another territory in dispute on the shores of Guanabara. Together we drew some possible lines of action and discussed the relevance of the work done together with women, youth, and children from the Quilombo. We traced collective routes.

However, with the health and social crisis in Brazil, the Sensitive Territories' on-site activities near the communities had to be interrupted. The reality of contamination, death, poverty, and hunger in many communities aggravated. Meanwhile, we continue in a mediated relationship with the communities (whenever possible, due to the lack of good quality internet), awaiting the moment to return to conviviality or to create other modes of living together.

Our itineraries had to be reevaluated and abandoned. The urgencies were yet others, but the ongoing communication and the continuity of the interaction, enabled by the Prince Claus Fund's support, allowed for the redrawing of future activities, which, in their own time, begin to unfold.

Guapimirim02.jpeg
Guapimirim04.jpeg

Ilha Seca – Territórios Insulares da Petropolítica

Ilha Seca - Insular Petropolitics Territories

Em 2021, diante de novas tentativas e a incerteza das realizações de novas ações junto às comunidades, convidei um grupo de artistas-pesquisadores e o pescador e ambientalista Thiago Caiçara, para nos lançarmos em um novo projeto a ser instalado na Ilha Seca, uma ilha abandonada pela Texaco na década de 80, localizada próxima à Colônia Z-10 – Ilha do Governador, e que é reconhecida pela comunidade como uma área de lazer, já que esta é uma das poucas ilhas restante não habitadas ou “privatizadas” pela indústria do petróleo.

In 2021, faced with new efforts and the uncertainty regarding new projects with the communities, I invited a group of artist-researchers and the fisherman and environmentalist Thiago Caiçara to embark on a new project at Ilha Seca, an island abandoned by Texaco in the '80s, located near Colônia Z-10 in Governador Island, which is regarded by the community as a leisure area, since it is one of the few remaining islands not inhabited nor "privatized" by petroleum industry yet.

IMG_0684 (1).jpeg
IMG_0700.jpeg
DSC01265.jpg
DSC01211.jpg

A Ilha chamou nossa atenção desde o primeiro mapeamento performativo realizado em 2019, mas os perigos de adentrar uma ilha “abandonada” e em disputa, assim como as urgências que víamos nas comunidades, nos fez aguardar o tempo apropriado de ação.  

Com o convite lançado ao Thiago, mobilizamos um grupo de pescadores da colônia e partimos em direção à ilha. A ideia inicial apresentada ao grupo de pesquisadores era uma busca por novos modos de convivência e coabitação, já não apenas com a comunidade humana, mas também, e especialmente, com as comunidades não-humanas. 

Do antigo terminal de atracação, hoje em ruínas, avistamos todo o complexo sistema petrolífero da Baía de Guanabara, às margens das praias... lixo, montanhas de lixo de todos os tipos. No entanto, ao adentrar a pequena ilha, descobrimos sua grandiosidade e força como território de resistência. Uma cidade-floresta.

 

“É simplesmente por existirem que as plantas modificam globalmente o mundo, sem sequer se mexerem (...) Ser significa para elas fazer mundo”  

Emanuelle Coccia

 

Durante dois dias habitamos a Ilha Seca em busca de rastros, vestígios e estímulos. A busca por possibilidades de novos modos de coexistência e reinvenção poderia ser uma metáfora, mas não o é. Com este pequeno pedaço de terra cercado pelas águas da Baía de Guanabara, pudemos sentir a potência do que é resistir e existir. Permeada por rastros e vestígios de seus usos históricos, a ilha "abandonada" pela empresa petroleira Texaco na década de 80, encontra-se hoje completamente tomada por uma natureza que se reinventa, ocupa e transforma o espaço insular. As marcas de sua exploração por lá estão, dos indígenas à colônia portuguesa, da colônia à indústria petrolífera e ao sistema petropolítico, do petróleo às árvores, pássaros, mata, fungos, animais e alguns humanos passantes que a utilizam como espaço de lazer, pesquisa e criação.

The Island had caught our attention from the first performative mapping done in 2019, but the perils of venturing onto an "abandoned" and under dispute island, as well as the urgencies we saw inside the communities, kept us waiting for the appropriate moment to act.

After inviting Thiago, we mobilized a group of fishermen from the colony and set off toward the island. The starting idea presented to the group of researchers was an inquiry into new modes of conviviality and cohabitation, not only with human communities but especially also with non-human communities.

From the old dock port, now in ruins, we can see the whole petroleum complex system at Guanabara Bay, on the shores of the beaches... litter, mountains of garbage of all sorts. Nevertheless, as we entered the small island, we learned its greatness and strength as a territory of resistance. A forest-city.

 

"It is simply by existing that plants globally modify the world, without even moving (...) Being for them means world-making"  

Emanuelle Coccia

For two days, we inhabit Ilha Seca in the pursuit of traces, vestiges, and stimuli. The search for possibilities of new ways of coexistence and reinvention could be a metaphor, but it isn't. With this small piece of land surrounded by the waters of Guanabara Bay, we were able to feel the power of what it is to resist and exist. Permeated by vestiges and remnants of its historical uses, the island "abandoned" by the Texaco oil company in the 1980s today is completely taken over by a nature that reinvents itself and occupies and transforms the insular space. The marks of its exploitation are there, from the indigenous groups to the Portuguese colonization, from the colony to the oil industry and the petropolitical system, from the petroleum to the trees, birds, woods, fungi, animals, and some visiting humans who enjoy it as a space for leisure, research, and creation.

 “Vivemos em uma bacia d'água” 

(D. Glória - moradora da Colônia Z-10)

 

Imagine uma esfera de água com punhados de terra emergindo desse corpo aquoso, repleto de seres sencientes criando/destruindo seu entorno, e, consequentemente, interferindo nas próprias vidas. Assim como o conceito aplicado pela pesquisadora Anna Tsing, nesta investigação sensível seguimos as linhas de vida. As águas e as outras pequenas ilhas da Baía de Guanabara são incluídas como parte importante daquele mundo e daquela ecologia. A Ilha Seca surge como parte deste arquipélago, um montante de sedimento de terra que surge no meio do mar e narra uma perspectiva da história dessa bacia d’água na qual vivemos. Seu corpo, hoje, é regido em outra escala de temporalidade e mundos coconstruídos, ao mesmo tempo, no espaço e na carne. A imersão dos nossos próprios corpos visitantes também é convidada a simbiose-com, facilitando a transformação dessa paisagem em território familiar, em que percebemos os elementos que nos cercam como agentes vivos. Ao alterar nossa percepção de mundo e questionar nosso olhar, a sensação de vulnerabilidade nos rodeou de perguntas necessárias: Como humanos, estamos dispostos a dar quanto para manter uma relação multiespécie? Conseguimos operar uma mutação da nossa relação com outros mundos através da associação, em que exista “convergir e conviver” para atravessarmos uma crise climática, uma pandemia?

Adensar as questões pertinentes a Era que estamos existindo através da prática artística, que conecta os corpos e cultiva ações e pensamentos perfuradores da lógica de exploração de territórios e vidas, capacita a reabilitação dos horizontes e refúgios. As ruínas multiespécie entre o que foi deixado de rastros humanos e o que foi ocupado pelo ambiente na Ilha é a pulsão da resistência. Talvez esse seja o maior ensinamento dessa grande bacia d'água. A vida não apenas se adapta e se transforma, mas também é transformada por aquilo que a transforma. 

Sofia Mussolin 

 

"We live in a water basin"

(Mrs. Glória - Colônia Z-10 dweller)

Imagine a sphere of water with handfuls of earth emerging from this watery body, filled with sentient beings creating/destroying their surroundings and consequently interfering with their own lives. Just like the concept by researcher Anna Tsing, in this sensitive investigation, we follow the lifelines. The waters and the other small islands of Guanabara Bay are accounted as important parts of that world and its ecology. Ilha Seca appears as part of this archipelago, an accumulation of land sediments that emerges in the middle of the sea and tells us a perspective of the history of this water basin in which we live. Its body, today, is regulated in another temporality and worlds co-constructed, at the same time, in space and in the flesh. The immersion of our own visiting bodies is also invited to symbiosis-with, facilitating the transformation of this landscape into familiar territory, in which we perceive the elements that surround us as living agents. By altering our perception of the world and questioning our gaze, the sense of vulnerability has surrounded us with pressing questions: As humans, how much are we willing to give in order to maintain a multispecies relationship? Can we mutate our relation to other worlds through association, where we can "converge and coexist" to get through a climate crisis, a pandemic?

Thickening the questions pertinent to the Age in which we are existing through artistic practice that connects bodies and cultivates actions and thoughts that puncture the exploration logic of territories and lives enables the restoration of horizons and refuges. The multispecies ruins between what has been left as human traces and what has been occupied by the environment on the Island is the resistance drive. Perhaps this is the greatest lesson of this great water basin. Life not only adapts and is transformed but is also transformed by that which transforms it.

Sofia Mussolin 

O que emerge de um território em ruínas? A pergunta ecoa e retorna. Volta sempre diferente. A cada vez que volta, surgem imagens de seres que desconheço: insetos, plantas, fungos, humanos. Seres em interação perambulam pelas ruínas e habitam, enquanto criação diária, um ecossistema particular. Situado. Em novembro de 2021, compomos junto às vidas que constituem a Ilha Seca, uma ilha abandonada na Baía de Guanabara, esse espaço-tempo coletivo, no qual nosso grupo participava coletando impressões, imagens, vivências e fragmentos do que ali se degrada. A degradação, nesse caso, não é sinônimo de fim, mas de um estado constante de reinvenção da matéria.

Caminhei pelas construções destruídas da antiga Texaco, um dos símbolos da indústria do petróleo, à procura de vida. Da vida que se esgueira com força pelas fissuras do extrativismo que assola nossas terras. Ali, coletei imagens. Imagens que são arquivo, mas que também fabulam a passagem de um grupo de artistas pesquisadores por essa Ilha onde a contaminação se alastra, transformando ruínas em floresta.

Ana Clara Mattoso

What emerges from a ruined territory? The question echoes and returns. It always comes back differently. Each time it returns, images of beings unfamiliar to me emerge: insects, plants, fungi, and humans. Beings in interaction roam through the ruins and inhabit as a daily creation, a particular ecosystem. Situated. In November 2021, we composed together with the lives that constitute Ilha Seca, an abandoned island in Guanabara Bay, this collective space-time, in which our group participated collecting impressions, images, experiences, and fragments of what get's degraded there. Degradation, in this case, is not synonymous with ending but with a constant state of reinvention of matter.

I wandered through the destroyed buildings of the old Texaco factory, one of the symbols of the oil industry, searching for life. The life that slithers vigorously through the fissures of the extractivism that devastates our lands. There, I collected images. Images that are archival but also fabulate the visit of a group of artist-researchers to this island where contamination spreads, transforming ruins into the forest.

Ana Clara Mattoso 

bottom of page